"Vou interferir", disse Bolsonaro após reclamar da PF
15 de maio de 2020Em reunião ministerial no dia 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro queixou-se da falta de acesso a informações da Polícia Federal (PF) e disse que iria interferir, aponta transcrição do encontro entregue pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (14/05).
As declarações de Bolsonaro durante a reunião, gravada em vídeo, foram apontadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova de que o presidente tentou interferir na autonomia da PF. Moro fez a acusação ao anunciar sua saída da pasta. Desde então, o presidente negou repetidas vezes qualquer tentativa de interferência na corporação.
Durante o encontro com ministros, o presidente expressou frustração com a recusa de Moro de trocar o comando da PF no Rio de Janeiro, insinuando que sua família estaria sendo alvo de perseguição.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente, segundo a transcrição da AGU.
Bolsonaro reclamou de não ter acesso a informações tanto da PF quanto de outros órgãos de inteligência e afirmou ter sido surpreendido com notícias divulgadas pela imprensa.
"Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação", afirmou, segundo a transcrição.
"Quem é que nunca ficou atrás da porta ouvindo o que o seu filho ou sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele, já era. E informação é assim", reclamou.
"E me desculpe o serviço de informação nosso - todos - é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade", disse.
Após as denúncias de Moro , Bolsonaro negou publicamente ter usado as palavras "Polícia Federal" ou "superintendência" durante a reunião de 22 de abril. A AGU argumenta que Bolsonaro se referiu durante à reunião à sua segurança pessoal dele e de familiares, que são responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional, sem relação com a PF.
No parecer enviado ao ministro Celso de Mello, relator do inquérito do STF que investiga as acusações de Moro, a AGU se manifestou favorável à retirada do sigilo do vídeo da reunião ministerial, mas apenas dos trechos nos quais há intervenções do presidente, omitindo as falas dos demais participantes.
"Todos eles discorrem sobre os assuntos mais diversos, inclusive, sobre políticas públicas em cogitação, seja como for, assuntos absolutamente estranhos ao objeto do presente inquérito, e alguns bastante sensíveis, aí incluídas análises e opiniões, pela ordem da autoridade monetária e do ministro das Relações Exteriores", argumentou a AGU.
Ao defender a restrição da divulgação do conteúdo da reunião, o órgão afirma que vários ministérios se manifestaram durante o encontro, como Justiça e Saúde, além do BNDES, da Caixa e do Banco Central.
A AGU também solicitou que não seja divulgada a "breve referência a eventuais e supostos comportamentos de nações amigas" feita por Bolsonaro.
A AGU ressaltou que as falas do presidente foram transcritas sem especificar o contexto em que foram ditas durante a reunião. "As declarações presidenciais com alguma pertinência não estão no mesmo contexto, muitíssimo pelo contrário: estão elas temporal e radicalmente afastadas na própria sequência cronológica da reunião", disse o órgão.
Até o momento, oito depoimentos prestados à PF reforçam as acusações de Moro de que Bolsonaro tinha a intenção de trocar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, e o desejo do presidente de trocar o comando da PF no Rio de Janeiro foi conformado por sete dos depoentes.
Moro afirma que Bolsonaro queria trocar a direção-geral da PF e de obter o controle sobre a Superintendência no Rio de Janeiro. A defesa do ex-ministro afirmou que a transcrição divulgada pela AGU confirma as referências à Polícia Federal, apesar de omitir trechos "relevantes".
O STF abriu inquérito a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que decidirá se a denúncia será encaminhada ou arquivada. Se o presidente for denunciado, cabe à Câmara dos Deputados aprovar o prosseguimento do processo, e ao STF, aceitar a abertura de ação penal. Bolsonaro poderá, então, ser afastado do cargo por um período de 180 dias.
RC/ots
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