Vivendo como ilegal na Alemanha
2 de maio de 2006No último Dia do Trabalho, os estrangeiros vivendo nos Estados Unidos reagiram contra o endurecimento das leis de imigração. Uma onda de passeatas e greves varreu 50 cidades, de leste a oeste. Em protesto, mais de um milhão de pessoas foram às ruas, exigindo mais direitos para os que vivem no país sem documentos válidos.
Os organizadores das manifestações convocaram um "Dia sem Imigrantes" – com paralisações de trabalho e de vendas – lembrando a importância dos 11,5 a 12 milhões de estrangeiros que vivem ilegalmente nos EUA. Mais da metade são mexicanos, que se sustentam pelo trabalho sazonal na agricultura, construção, turismo e prestação de serviços.
E como é ser "ilegal" na Alemanha? Segundo estimativas de organizações humanitárias, há cerca de um milhão de pessoas sem documentos nem visto de permanência no país. A maior parte veio da África, América Latina e do Leste Europeu com visto de turista, "escorregando" então para a ilegalidade.
Casamento como saída
Pelo medo constante de serem descobertos e conseqüentemente expulsos, os clandestinos geralmente preferem não falar de sua situação, que de qualquer forma costuma ser catastrófica. Este era o caso de Frida, desembarcada da África há cinco anos, para morar com a tia. Ela vivia como escrava, sem dinheiro próprio e sem poder sair de casa.
A salvação chegou na forma de um homem, um alemão. Frida se apaixonou à primeira vista e se casará em breve. Mas ainda precisa se esconder sob um nome falso, enquanto não tem seus novos papéis na mão. O medo de ser descoberta certamente a acompanhará ainda por muito tempo.
O casamento continua sendo praticamente a única chance de legalização. Para as mulheres, há uma segunda alternativa: ter um filho com um alemão.
Repatriação sumária
Na Alemanha, a imigração ilegal é um delito, punido com a expulsão sumária. Um adiamento só é possível caso haja algum dos chamados "obstáculos legais à repatriação", explica o advogado Reinhard Marx.
Entre estes constam a proteção aos refugiados e asilados, assim como possíveis ameaças a sua integridade física no país de origem, quer na forma de tortura quer de uma sentença de morte. Estes são impedimentos de ordem estatal. "Além deles, há os que dizem respeito à situação atual do implicado, como doença ou gravidez. Enfim, circunstâncias físicas que impeçam a repatriação", especifica Marx.
Por último, existem impedimentos fatuais, por exemplo, se a identidade do clandestino não pode esclarecida ou se há uma interrupção no tráfego com o país de origem. Ondas de legalização – como, por exemplo, na Espanha – são inexistentes na Alemanha.
Desenvolvimento bloqueado
Boa parte dos ilegais veio para reunir-se a parentes que já viviam – legalmente – no país. Isto se aplica sobretudo aos turcos. Ute Koch, do fórum Vida na Ilegalidade, acredita que a migração ilegal se transformou no avesso da proteção contra o afluxo indesejado de estrangeiros.
"Trata-se de crianças e pessoas mais velhas, que desejam viver com seus parentes estabelecidos na Alemanha. Devido a nossas regras tão rigorosas sobre a reunião da família, em geral só lhes resta a opção da ilegalidade. As possibilidades de imigração legal são muito restritas", analisa Koch.
Para não chamar a atenção, os "ilegais" preferem evitar o contato com a polícia ou as autoridades, e não se queixam quando recebem pouco ou mesmo nada por seu trabalho.
Segundo Volker Rossocha, da Confederação dos Sindicatos Alemães: "No momento em que os tribunais precisam ser acionados, as pessoas sem permanência legal recuam, já que as cortes têm que repassar as informações ao departamento de imigração". E os patrões exploram esse fato.
O mesmo se aplica aos jardins-de-infância e escolas, obrigados a reportar casos de ilegalidade. Ute Koch enumera as conseqüências fatais, quando menores em idade escolar não podem freqüentar as instituições de ensino: "A crianças não podem ficar pela rua, pois logo alguém chama a polícia. Então permanecem o dia inteiro trancadas em casa, o que traz seqüelas imensas para seu desenvolvimento".
Indesejados pilares da economia alemã
Os clandestinos da Alemanha não contam com qualquer ajuda do Estado, nem mesmo em caso de doença. Por isso acabam só indo ao médico quando é quase tarde demais. Isso aconteceu com Frida, que teve que ser operada à pressas, e secretamente, com o apêndice perfurado.
Não havendo possibilidade de apoio estatal anônimo – como oferece a Itália – os ilegais da Alemanha têm que achar um médico que os trate anonimamente, pagando do próprio bolso a salgada conta.
Entretanto, assim como nos Estados Unidos, há na Alemanha enorme demanda de trabalhadores ilegais. Eles são mão-de-obra barata, assumindo tarefas que ninguém mais quer fazer.
Thomas Straubhaar, do Instituto de Economia Mundial de Hamburgo, sintetiza assim o paradoxo: "Por estranho que pareça, no atual momento e com os atuais regulamentos, a economia alemã depende em grande parte da contratação ilegal de mão-de-obra estrangeira".