Veneno, a arma preferida do Kremlin contra dissidentes
21 de agosto de 2023O governo da Rússia pode ter estado envolvido no envenenamento de três importantes jornalistas russas que vivem em exílio, uma delas em Munique, revelou o site online russo The Insider, enfatizando que as vítimas são conhecidas por seu posicionamento abertamente anti-Kremlin.
Natalia Arno, Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan foram hospitalizadas por apresentar sintomas intrigantes e inexplicados. A investigação publicada em 15 de agosto cita diversos especialistas, inclusive um médico famoso por ter salvado a vida do líder oposicionista Alexei Navalny: todos indicam "intoxicação exógena" como causa provável dos sintomas.
Esses são os mais recentes de uma série de atentados contra oposicionistas e críticos do Kremlin. Há muito o veneno é uma arma preferencial dos serviços de segurança russos para silenciar dissidentes políticos notórios. Em alguns casos, há provas levando diretamente a Moscou, enquanto outros permanecem misteriosos. O Kremlin nega persistentemente qualquer envolvimento.
Em seguida, alguns dos envenenamentos políticos de russos ocorridos nas últimas duas décadas.
2022: Oligarca Roman Abramovich
Em março de 2022, o oligarca russo Roman Abramovich, proprietário do clube de futebol inglês Chelsea FC, manifestou sintomas de intoxicação durante conversações de paz na fronteira entre Ucrânia e Belarus, perdendo a visão temporariamente. Alguns negociadores ucranianos igualmente apresentaram vermelhidão dos olhos, lacrimejamento e problemas dermatológicos.
O grupo holandês de jornalismo investigativo Bellingcat atribuiu o atentado a linhas duras de Moscou que apoiam a guerra contra a Ucrânia, tratando-se antes uma advertência contra negociações de paz do que uma tentativa real de assassinato. Na mesma época, diversos países ocidentais haviam imposto sanções a Abramovich por suas conexões estreitas com o Kremlin.
2020: Oposicionista Alexei Navalny
Durante um voo doméstico na Rússia, em agosto de 2020, o ativista anticorrupção Alexei Navalny ficou gravemente doente, o que exigiu um pouso de emergência. Mais tarde foi transferido para tratamento na Alemanha. Diversos laboratórios independentes atestaram a presença em seu organismo do agente dos nervos Novichok.
O Kremlin rebateu as acusações de atentado feitas por Navalny. O incidente deteriorou ainda mais as já tensas relações entre Rússia e Ocidente, desencadeando uma série de sanções contra autoridades russas. Em dezembro de 2020, o jornal britânico The Times acusou o governo russo de uma segunda tentativa de assassinato contra o líder oposicionista, antes de ele voar para Berlim para continuação do tratamento.
Recuperado, Navalny retornou a seu país no mês seguinte, sendo preso imediatamente. Já condenado a nove anos de prisão, em agosto de 2023 sua pena foi acrescida de 19 anos, numa sentença amplamente considerada política, que o réu classificou como "stalinista".
2018: Agente duplo Sergei Skripal
Em março de 2018, o ex-agente duplo russo Sergei Skripal e sua filha Yulia foram envenenados com Novichok em Salisbury, Inglaterra. Ambos sobreviveram, graças a tratamento médico. Theresa May, então primeira-ministra britânica, condenou o atentado, atribuindo-o diretamente à Rússia.
Skripal estivera preso na Rússia por espionar para Londres. Além de, mais uma vez, negar qualquer envolvimento, o Kremlin acusou o Reino Unido do envenenamento. O atentado suscitou condenação internacional, culminando em expulsões diplomáticas entre os dois Estados e uma campanha de sanções contra autoridades russas.
2006: Ex-espião Alexander Litvinenko
Crítico do presidente Vladimir Putin, o espião Alexander Litvinenko desertou em 2004 do serviço de inteligência russo, buscando asilo em Londres. No começo de novembro de 2006, depois de tomar chá com outros dois ex-espiões num hotel do centro da capital britânica, ele ficou enfermo, morrendo cerca de três semanas mais tarde. Em seu corpo foram encontrados vestígios de polônio-210: um micrograma desse metal volátil basta para matar um adulto.
Investigações realizadas pelo Reino Unido e a União Europeia apontaram para Andrei Lugovoi, um dos companheiros de chá da vítima, como principal suspeito com "provável" sinal verde de Putin. O Kremlin negou implicação no crime e recusou-se a extraditar Lugovoi. O incidente escalou as tensões russo-britânicas, resultando na expulsão de diplomatas de ambos os países em 2007.
2004-2023: Atentados contra candidato e ex-presidente estrangeiros
Em 2004, o candidato pró-europeu à presidência da Ucrânia, Viktor Yushchenko, foi envenenado com dioxina durante sua campanha eleitoral. Ele sobreviveu, mas ficou permanentemente desfigurado por cicatrizes e manchas no rosto.
Seu adversário, o pró-russo Viktor Yanukovych, acabou vencendo, mas acusações de fraude resultaram na série de protestos conhecida como Revolução Laranja. O Supremo Tribunal ucraniano anulou o pleito, decretando um segundo, em dezembro, em que Yushchenko foi eleito presidente.
Também o ex-presidente da Geórgia Mikheil Saakashvili (2005-2013) acusou agentes russos de infiltrarem o serviço secreto de seu país e tentarem envenená-lo na prisão. Ele está preso desde 2021 por crimes de corrupção e abuso de poder. Falando ao jornal Politico em março último, Saakashvili afirmou que "quase morreu" em consequência do atentado, e que desde então sua saúde está abalada.