Uma noite com Da Vinci no Louvre de Paris
16 de setembro de 2020O que caracteriza um museu de primeiro escalão? Seu tamanho, sua popularidade, um acervo de alta qualidade – e seu marketing. E nisso, o Louvre de Paris é campeão.
Uma das mais bem-sucedidas ações de publicidade foi o videoclipe Apeshit, em 2018. Os astros de R&B Beyoncé e Jay-Z dançavam pelas galerias vazias do museu mais visitado do mundo; o casal real do pop parecia sentir-se inteiramente em casa no antigo palácio da realeza francesa. E o vídeo clicado 222 milhões de vezes abria justamente com uma visita ao icônico retrato Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519).
Em retrospectiva, pode-se ver essa sequência como golpe de marketing visionário do Louvre. Pois no ano seguinte a casa inaugurou uma grande mostra do mestre renascentista italiano, que bateu igualmente recordes, embora no campo analógico: com 1,1 milhão de visitantes, foi a mais frequentada do museu em 2019, quando se completaram 500 anos da morte de Da Vinci.
A exposição englobava mais de 160 peças, incluindo 11 pinturas e 70 desenhos, e só se entrava com reserva antecipada. Agora, todos que não conseguiram um ingresso terão a chance de recuperar a perda. Atendendo à grande demanda após o encerramento do evento, o Museu do Louvre e a companhia cinematográfica Pathé filmaram uma visita guiada privada pela mostra.
Uma noite no Louvre: Leonardo da Vinci oferece a oportunidade de admirar de perto as mais belas obras do gênio universal. O passeio pelo museu tem como guias os curadores da mostra, Vincent Delieuvin e Louis Frank, e é, ao mesmo tempo, informativo e instigante. Em suas breves dissertações, ambos os especialistas contam sobre o passado artístico do mestre, enfatizando seu peculiar desenvolvimento da técnica pictórica.
Arte para além da imitação
Quando a luz se apaga no Louvre, a câmera começa seu trajeto pela exposição, atravessando galerias desertas. Homem de inúmeros talentos e interesses intelectuais, artísticos e científicos, Leonardo colocava a pintura acima de todas suas demais atividades, considerando-a própria base do conhecimento e de sua pesquisa do mundo.
Ele nasceu em 15 de abril de 1452 no povoado de Anchiano, próximo ao lugarejo Vinci, na região da Toscana. Filho ilegítimo de um tabelião, ele cresceu com o avô. Aos dez anos, mudou-se para a metrópole vizinha Florença, onde estudou geometria e aritmética. Seu professor de arte foi Andrea del Verrocchio, um influente escultor e pintor na transição dos primórdios da Renascença para a Alta Renascença.
De início, o jovem artista se dedica à arte da imitação, procurando reproduzir a realidade da maneira mais fiel possível, com interesse especial em duas formas de expressão básicas: movimento e repouso. Com Verrocchio, aprende a modelar luz e sombra, reproduzindo, numa perfeita ilusão, o volume e os diferentes planos das dobras de tecido.
Fotos sob luz infravermelha testemunham as numerosas correções e modificações nos quadros de Leonardo. Para os curadores, ele estava em busca do absoluto na arte. Quando percebeu a impossibilidade de captar a essência da vida através do método da imitação, ele mudou sua técnica.
As linhas se tornaram mais soltas, os traços de suas hachuras por vezes parecem quase caóticos. Delieuvin e Frank consideram moderno o resultado. O artista tem até a coragem de deixar inacabada parte de suas obras: ele trabalha com omissões e elipses, visando excitar a fantasia do observador.
Uma noite no Louvre é uma introdução à obra gráfica e pictórica de Leonardo. Todas as suas outras habilidades – na engenharia, anatomia ou geometria, por exemplo – ficam de fora. A câmera acompanha as explanações dos historiadores da arte, faz zoom, bem de perto, na Madona do cravo (por volta do ano 1475), em São Jerônimo (1482) ou na Madona dos rochedos (posterior a 1483). Esta última constitui uma obra-chave, pois é a primeira vez que Da Vinci confere traços individuais aos rostos de Maria e do menino Jesus.
Mistérios em tela grande
Depois de viver em Milão de 1482 a 1499, quando pinta a famosa A Última Ceia, em 1500 Leonardo da Vinci retorna a Florença como artista celebrado. Lá realiza figuras como o Retrato de um jovem, cujo modelo é Ludovico di Moro. Ao pintá-lo um pouco de lado, Leonardo rompe com a tradição da época da representação frontal ou de perfil.
O corpo em ligeira rotação é um fenômeno que em parte explica o fascínio da Mona Lisa ou La Gioconda, possivelmente a pintura mais conhecida do mundo. Antes da pandemia de covid-19, 30 mil visitantes se acotovelavam diariamente diante da tela no Louvre para admirá-la.
Consta tratar-se do retrato de Lisa Gherardini del Giocondo, na época com apenas 24 anos. Para os dois curadores, o mistério está na espontaneidade de sua expressão: serena, a dama florentina olha para fora do quadro como se se voltasse brevemente para o observador que acaba de entrar na sala.
É um prazer ver na tela grande esse sorriso e os detalhes de outras obras de Leonardo. A ideia para o documentário veio durante o confinamento devido ao coronavírus, quando um encontro pessoal com a arte não era mais possível. Os realizadores precisaram de quatro noites de rodagem e uma equipe de 30 técnicos.
A exposição em Paris se encerrou em 20 de fevereiro de 2020, e Uma noite no Louvre: Leonardo da Vinci se conecta de maneira especial, mostrando por que vale a pena se ocupar ainda mais intensivamente com o multitalento renascentista. O filme estreia nesta quarta-feira (16/09) nas salas de exibição da Alemanha e diversos outros países.