Um professor brasileiro na cátedra Rosenzweig
2 de julho de 2005Criada em 1986 por ocasião do centenário do filósofo e teólogo judeu alemão Franz Rosenzweig, de Kassel, e em sua memória, a cátedra destina-se ao estudo da cultura judaica alemã, em particular à continuidade da herança cultural judaica destruída pelo nazismo.
Funciona somente no semestre de verão e por ela já passaram mais de 20 professores convidados de renome, provenientes de diversas partes do mundo. Michael Lövy é o primeiro a ocupar a cátedra da geração que não sofreu a perseguição nazista e o primeiro brasileiro.
Lövy e Rosenzweig
Michael Lövy é filho de imigrantes judeus de Viena, que se radicaram em 1930 em São Paulo. Formou-se em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) em 1960. Doutorou-se em 1964 na Sorbonne, em Paris, onde vive até hoje. Professor emérito, trabalha como diretor de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e dirige um seminário na École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Franz Rosenzweig (1886–1929) é considerado um dos mais importantes filósofos-teólogos do século 20 (A Estrela da Redenção, 1921). Dedicou-se primeiramente ao estudo de Hegel, tendo se distanciado dele para se voltar à teologia filosófica do cristianismo e do judaísmo.
Fundou em 1920 em Frankfurt a Freies Jüdisches Lehrhaus, uma escola livre de educação para judeus que viviam nos Estados da Europa dominados pelo cristianismo. É autor (junto com Martin Buber) de uma moderna tradução em alemão do Velho Testamento.
Nova geração
Michael Lövy pertence à nova geração de pensadores da cultura judaica alemã. Ele afirma que não é religioso e que o judaísmo lhe interessa como cultura e religião na sua relação com a política. Fala oito línguas: português, alemão, inglês, francês, espanhol, italiano, hebraico e grego. É autor de 15 livros e mais de uma centena de artigos traduzidos em mais de 20 línguas, inclusive no Brasil, na área de política, filosofia, história e religião. Em 1994 recebeu a Medalha de Prata do CNRS por sua obra.
Lövy explica o porquê de sua escolha para assumir a catédra Rosenzweig em Kassel: "Não sou um especialista na obra de Franz Rosenzweig, que por sua vez é uma referência muito importante na pesquisa da cultura judaica alemã na Europa Central, que é um de meus campos de pesquisa. Meu livro publicado no Brasil pela Companhia das Letras Redenção e Utopia Judaísmo Libertário na Europa Central é uma tentativa de analisar uma certa corrente da cultura judaica, que chamo de romântica, messiânica e libertária. Nesse estudo incluo, entre outros personagens, Franz Rosenzweig, considerado o grande mestre da cultura judaica e em memória do qual se criou a cátedra que ocupo neste semestre como professor convidado".
Kassel e Brasil
Lövy esclarece que, originalmente, os convites da Universidade de Kassel a professores para a cátedra Rosenzweig eram destinados exclusivamente a intelectuais judeus, que houvessem sido vítimas da perseguição nazista. Como essa geração está desaparecendo, o coordenador responsável pela cátedra, Wolfdietrich Schmied-Kowarzik, o convidou.
"Assim se explica que sou o primeiro a quebrar a regra original de escolha e coincidentemente, de fato, o primeiro brasileiro a ocupar a cátedra. Mas a Universidade de Kassel tem muitas relações com o Brasil, mantendo inclusive um contínuo intercâmbio com a Universidade de Porto Alegre. Ofereço cursos relacionados à cultura judaica alemã da Europa Central: um sobre o filósofo Walter Benjamin, outro sobre Franz Kafka e ainda um terceiro junto com o professor Schmied-Kowarzik sobre o jovem Karl Marx. Além disso, fiz recentemente uma palestra em torno do tema Religião e Política na América Latina, onde incluo o Brasil no meu trabalho de pesquisa sobre sociologia da religião", conta Lövy.
Embora radicado em Paris, ele afirma que continua ligado ao Brasil, mantendo um intercâmbio científico com a USP. Um de seus campos de pesquisa é a Teologia da Libertação.
Em seu ensaio As Fontes Judaicas da Teologia da Libertação, Lövy analisa a maneira como os teólogos da Libertação se relacionam com o Velho Testamento. Recentemente, o professor brasileiro recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Hollanda da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, por seu ensaio A Guerra dos Deuses – Religião e Política.