Um hotel como nos tempos da Guerra Fria
6 de outubro de 2020Com o objetivo de driblar a concorrência das grandes redes hoteleiras, um pequeno hotel na cidade de Bonn, no oeste da Alemanha, resolveu decorar alguns quartos com a temática das embaixadas que marcaram a cidade no período entre a constituição da República Federal da Alemanha e a queda do Muro de Berlim, entre os anos de 1949 e 1989.
Naquela época, Bonn foi capital provisória e sede de governo da República Federal da Alemanha, mais conhecida como Alemanha Ocidental. Cerca de 10 mil diplomatas trabalhavam nas 150 embaixadas espalhadas pela cidade renana.
Com a transferência da capital para Berlim, em 1999, as embaixadas também foram se mudando, de forma gradual, para a capital da Alemanha reunificada. Bonn perdeu seu status de palco do mundo político ocidental, ainda que a aura de internacionalidade tenha se mantido com a sede alemã das Nações Unidas e a Deutsche Welle.
Para quem quiser reviver um pouco desse tempo em que Bonn era palco da diplomacia internacional, o pequeno hotel Rheinland oferece quatro acomodações com a temática das embaixadas, representado os quatro vencedores da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França.
A decoração inclui móveis originais da época, resultado de um trabalho de pesquisa minuncioso feito pelo gerente Johannes Jungwirth. Ele diz que levou meses para conseguir todas as peças e contou com a ajuda do arquivo municipal de Bonn.
Segundo Jungwirth, a tapeçaria utilizada nas paredes foi o detalhe mais trabalhoso. "Cada papel de parede deve representar fielmente o estilo de cada país na época. Foi mais difícil conseguir isso do que encontrar as outras peças", diz o gerente.
Varanda em comum para os arquirrivais
Ao chegarem ao quinto andar do hotel, os hóspedes se deparam com uma viagem no tempo. Capas de jornais e revistas com o presidente Richard Nixon e a rainha Elizabeth 2ª em suas visitas oficiais a Bonn estão penduradas nas paredes do corredor, criando um ambiente completamente imersivo.
Logo no primeiro quarto fica a "embaixada dos EUA". Móveis antigos e quadros com fotos das visitas dos presidentes Nixon e Kennedy a Bonn decoram as paredes do quarto, que tem ainda uma televisão original dos anos 60 – uma TV nova foi embutida dentro de uma carcaça antiga.
Nas gavetas das mesinhas de cabeceira o hóspede se depara com livros da época, que foram adquiridos em sebos nos EUA. Já na mesa diplomática, além do tradicional abajur verde e uma garrafa de Bourbon, encontra-se um exemplar original da revista Life de 1971 que estampa na capa o casamento de Tricia Nixon, filha do então presidente.
Um detalhe que chama atenção é o telefone vermelho sobre a mesa – uma referência ao apelido dado à linha de comunicação direta entre os governantes dos Estados Unidos e da União Soviética durante a Guerra Fria.
O quarto da embaixada da União Soviética também tem um telefone vermelho original do período socialista e recebe seu hóspede à moda soviética, com uma boa dose de vodca, cortesia do hotel. Logo na entrada do quarto, um quadro do herói soviético Iuri Gagarin saúda o visitante. Um busto de Lenin, uma boneca Matrioska e uma foto do Kremlin também fazem parte da decoração.
Para compor a linguagem visual comunista, papéis de parede vermelhos e dourados estampam todo o quarto, que tem camas separadas – uma alusão ao boato que corria na época de que, na URSS, homens e mulheres dormiam separados.
Sobre uma das camas há uma legítima farda militar do Exército Vermelho, que o hóspede pode até vestir, se quiser, para entrar no clima.
Um detalhe curioso: o quarto possui uma varanda interligada ao quarto ao lado, justamente o do arquirrival durante a Guerra Fria, possibilitando assim conversas diplomáticas extra-oficiais entre as duas potências.
Gim e Pernod
Em um estilo mais limpo, arandelas douradas e papel de parede floral decoram o quarto da embaixada britânica. Fotos da rainha Elizabeth 2ª e da primeira-ministra Margaret Thatcher completam a decoração de época. Na mesa lateral, o hóspede pode se servir com gim inglês enquanto lê um exemplar da bibliografia da Dama de Ferro ou folheia uma publicação com fotos do casamento da princesa Diana com o príncipe Charles. O quadro iluminado do palácio de Buckingham é apenas um truque para disfarçar a TV e assim manter a temática da época.
O aposento da embaixada francesa recebe o hóspede, que pode se sentar numa confortável poltrona no estilo vintage, com o aperitivo Pernod. O globo com o mapa-múndi, comprado num antiquário, ainda tem a URSS, a Iugoslávia e a antiga Alemanha Oriental. Fotos do presidente François Mitterrand estão espalhadas pelas paredes. Fitas cassete com chansons da época, junto a objetos de uso oficial do "embaixador", completam a decoração do quarto.
Os quartos das embaixadas da França e Reino Unido foram inaugurados há poucos meses, após a reabertura dos hotéis no país, que ficaram fechados devido à covid-19. Com cinco andares, o hotel Rheinland fica localizado no centro da antiga capital, próximo ao rio Reno.
As diárias incluem café da manhã e um atendimento diplomático, garante o gerente. Para se acomodar como um "embaixador", o hóspede deve marcar no site, ao fazer a reserva, que deseja um quarto temático e deixar se surpreender na chegada. Caso o hóspede faça questão de se hospedar numa embaixada específica, ele somente pode expressar sua preferência após a reserva.
Para a surpresa do gerente, há uma procura grande pelos próprios moradores de Bonn, incluindo pessoas que trabalhavam nas embaixadas e gostariam de reviver essa nostalgia. "Principalmente devido à essa pandemia, muitos alemães decidiram passar férias no próprio país, e os moradores locais encontraram no nosso hotel uma boa opção para sair do cotidiano", relata Jungwirth.
Ele faz questão de se encontrar com os hóspedes das embaixadas no café da manhã para uma recepção oficial, além de ser ele quem dá os últimos retoques nos quartos para receber o próximo hóspede. Segundo o gerente, para manter intacta a impecável decoração, não é permitido a hospedagem de alguns grupos, por exemplo jovens em despedida de solteiro.
O gerente afirma que o hotel possui planos para transformar os demais quartos em pequenos consulados, além de abrir algumas novas embaixadas. A do Brasil pode ser uma delas. "Mas não posso revelar, isso é segredo diplomático", desconversa.