Ultradireita alemã tolera condenados em suas fileiras
11 de abril de 2024Ataques físicos como chutes na barriga e atropelamento, violência verbal, incitação ao ódio e ao estupro: essas são algumas das manchas no currículo de diversos políticos com mandato pelo partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), conforme revelado pela agência de jornalismo investigativo Correctiv.
De 48 políticos analisados, 28 foram condenados pelo menos na primeira instância. Isso significa que eles podem ou puderam recorrer da decisão.
Apesar das condenações, 14 ainda representam a AfD no Bundestag (a câmara baixa do Parlamento alemão) ou nos parlamentos estaduais e em instâncias municipais.
Do ponto de vista legal, eles não têm que temer nenhum impedimento nesse sentido: o direito de se eleger para cargos públicos só é revogado na Alemanha em casos mais graves, como homicídio ou estupro.
Segundo o Correctiv, não há casos semelhantes aos da AfD em outros partidos: nem entre os social-democratas, verdes ou esquerdistas, tampouco entre os liberais ou conservadores.
"Campanha de difamação contra a AfD"
Membro do Bundestag e dirigente da AfD, Martin Reichardt reagiu à reportagem desqualificando o site como um "portal de mentiras" que espalha "campanhas para difamar e denegrir a AfD".
Reichardt chegou a ser investigado pela polícia criminal de Erfurt em 2023 após se referir ao presidente Frank-Walter Steinmeier como "um dos piores polemistas e agitadores da história alemã", mas o Ministério Público acabou arquivando o caso.
Políticos de outros partidos, porém, veem no levantamento mais um sinal do perigo que a AfD representa.
"Pessoalmente, eu os considero inadequados para o exercício de um cargo público", afirma Thorsten Frei, líder da bancada conservadora no Bundestag, citando risco às instituições da democracia parlamentar.
A pressão sobre a AfD vem aumentando há meses, principalmente desde a revelação, também pelo Correctiv, de que líderes da sigla participaram de uma reunião onde teria sido discutida a deportação de pessoas da Alemanha, inclusive imigrantes naturalizados alemães. Desde então, centenas de milhares têm saído às ruas por toda a Alemanha para protestar contra o extremismo de direita.
Elos com a propaganda russa
No início de abril, o governo da República Tcheca anunciou ter descoberto uma rede de propaganda que também teria conexões com a AfD. Por meio do portal "Voice of Europe", a Rússia teria tentado prejudicar a Ucrânia e influenciar a política da União Europeia – o que incluiu, segundo alguns veículos da imprensa alemã, pagamentos a políticos do partido dispostos a cooperar.
Até agora, porém, esses escândalos não tiveram praticamente nenhuma consequência para a AfD. O partido, que em parte já é acompanhado de perto pelas autoridades alemãs de inteligência, rejeita todas as acusações e tem subido o tom contra a imprensa, instituições democráticas e outros partidos.
Na verdade, a AfD tem dobrado a aposta: em convenções regionais recentes do partido, membros particularmente radicais foram fortalecidos.
Até mesmo a juventude partidária, que é conhecida pelo seu radicalismo e slogans inconstitucionais e racistas, deixou de ser uma questão polêmica dentro da sigla e passou a desfrutar de amplo apoio interno.
Mesmo os mais radicais estão se tornando mainstream
A solidariedade interna aos nomes mais radicais do partido e a postura condescendente diante de escândalos políticos são apontadas por observadores como consequências da radicalização contínua da AfD como um todo.
Muitos de seus membros mais moderados foram pressionados internamente e deixaram a legenda. Os mais radicais, como o líder estadual da Turíngia Björn Höcke, agora têm influência praticamente irrestrita.
E as pesquisas parecem chancelar Höcke, mostrando a AfD na Turíngia e em outros estados do leste alemão com mais de 30% das intenções de voto.
O garoto propaganda da AfD na Turíngia, porém, também está no radar da Justiça alemã: em abril, ele terá que comparecer a um tribunal para se explicar uma segunda vez por ter brandido um slogan proibido dos nazistas da SA, a milícia paramilitar de Adolf Hilter, durante um evento em dezembro de 2023. Höcke teria dado a deixa ao público, incitando-os a completar a frase: "Tudo pela… [Alemanha]." Höcke nega.