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Uigures condenados em julgamentos fraudulentos na China

Naomi Conrad | Julia Bayer | Cherie Chan ca
8 de junho de 2020

Mais de um milhão de membros da minoria étnica foram enviados a "campos de reeducação" em Xinjiang. Investigação da DW revela que muitos foram forçados a se autoincriminar por falsos delitos em pseudoprocessos judiciais.

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Torre e grade de prisão de uigures na China
Em vez de prisões, autoridades chinesas falam de "instalações educativas"Foto: Reuters/T. Peter

Uma mulher observa uma imagem na tela, um conjunto de edifícios rodeados por uma cerca alta: "Ali, sob o mastro da bandeira, ocorriam as chamadas matinais", diz. A cerimônia de hasteamento da bandeira era seguida de aparentemente intermináveis reuniões políticas e aulas de chinês. E no prédio ao lado – continua ela – aconteciam os "processos judiciais": pseudoprocessos sem qualquer assistência legal, sem a possibilidade de defesa ou recurso.

A mulher é uigur, uma minoria predominantemente muçulmana que vive na província de Xinjiang, no noroeste da China, longe de Pequim. Cultural e etnicamente, os uigures têm mais em comum com seus vizinhos do Cazaquistão ou do Quirguistão do que com os chineses da etnia han, que representam a maioria no país. Os uigures, que há muito buscam sua independência, são discriminados, perseguidos e monitorados em todas as esferas da vida pela liderança comunista.

Supostamente porque eles representam um risco de segurança. Em 2009, violentos protestos uigures contra chineses han na capital da província de Xinjiang, Urumqi, deixaram pelo menos 140 mortos. Em 2014, um ataque terrorista a um mercado em Urumqi resultou em 31 mortes. Em resposta, Pequim intensificou seu controle e vigilância contra uigures.

Farsas processuais em campos de reeducação

Foi no final de 2016 que o governo chinês começou a agir com mais rigor contra a minoria: desde então, foi estabelecida uma abrangente rede de campos de internamento e prisões. ONGs de direitos humanos e ativistas estimam que pelo menos um milhão de pessoas estejam internadas neles.

Qualquer um que seja libertado desses campos continua sendo monitorado passo a passo e é frequentemente forçado a trabalhar em fábricas, algumas das quais produzem para empresas estrangeiras ‒ incluindo alemãs.

O governo chinês fala de "centros voluntários de treinamento profissional", destinados a combater "ideias extremistas". Na verdade, ali os uigures são forçados a renunciar à sua religião e cultura e a aprender mandarim.

As detenções são aparentemente arbitrárias: um alcorão na estante de casa pode ser suficiente para que alguém desapareça por meses, até anos. Muitas vezes, parentes e amigos apenas conseguem fazer especulações sobre os motivos que levaram ao desparecimento de seus familiares e colegas de trabalho.

E, em alguns casos, como a DW descobriu em meses de pesquisa, os prisioneiros nos campos tiveram que escolher seus próprios "crimes". A mulher que conversou com a reportagem afirmou que, certo dia, recebeu uma lista de 75 supostos crimes ‒ e foi forçada a escolher um deles. Assim, ela teve que determinar por qual delito foi presa.

Os crimes na lista, confirmados por outros três ex-prisioneiros, costumavam ser banais: usar um lenço na cabeça, orar ou entrar em contato com familiares no exterior.

Autoridades penalizam práticas religiosas e culturais

"Eu disse a eles que não tinha feito nada disso, mas eles me forçaram a escolher um delito. Eles nos ameaçaram: vai ficar aqui até você escolher um", relatou a mulher, cuja identidade deve permanecer anônima por razões de segurança. Como os demais prisioneiros com quem a DW conversou, ela vive hoje no vizinho Cazaquistão.

Ela contou que, no final das contas, escolheu "viajar para o exterior" como "delito", porque ela e o marido haviam se mudado para o Cazaquistão. Então ela foi presa ao visitar seus parentes em sua terra natal, em Xinjiang.

O fato de a maioria dos 75 "delitos" ser de caráter religioso sugere que, há muito, as autoridades chinesas vêm perseguindo práticas religiosas e culturais uigures, como ativistas de direitos humanos vêm alegando há bastante tempo ‒ informação reforçada por uma investigação da DW publicada em fevereiro. Consta que a China está tentando "reeducar" os uigures e exterminar sua cultura e religião.

Durante meses, a DW entrevistou quatro prisioneiros que vivenciaram os "processos judiciais" em três campos diferentes em Xinjiang ‒ e conseguiu localizar esses três campos com a ajuda de imagens de satélite e fontes disponíveis ao público, como licitações.

Campos identificados pela DW na China

Uigures "completamente expostos à arbitrariedade de burocratas"

As histórias dos quatro prisioneiros coincidem em aspectos essenciais ‒ e sugerem que os pseudoprocessos são provavelmente bastante comuns em Xinjiang. Segundo vários especialistas, isso também é provável devido ao controle centralizado dos campos.

Embora afirme que nunca ouviu falar dessas farsas processuais, Rian Thum, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, acredita que é muito "plausível" que elas realmente tenham ocorrido. Mesmo fora dos campos, segundo Thum, os uigures não teriam chance de julgamentos justos. "Eles estão completamente expostos à arbitrariedade de burocratas e membros do partido, que podem simplesmente fazê-los desaparecer."

Familiares de prisioneiros uigures também falam de "processos" aparentemente arbitrários, e do fato de detentos serem levados para cá e para lá, entre prisões e campos de reeducação. Uma mulher residente na Alemanha relatou que vários parentes dela foram condenados à prisão duas vezes, somente para serem enviados de volta a um campo de reeducação: "Eles brincam com os prisioneiros."

Resposta da China

Os repetidos pedidos com uma detalhada lista de perguntas à embaixada chinesa em Berlim e ao Ministério das Relações Exteriores em Pequim permaneceram sem resposta. Em vez disso, a missão diplomática na capital alemã enviou à DW um link para uma declaração publicada no site da embaixada no final de 2019. O título: "Alguns fatos sobre Xinjiang".

A declaração afirma que não há campos de internamento em Xinjiang, apenas instituições de treinamento e educação para habilidades profissionais e que isso presta ajuda às pessoas que "foram seduzidas por pensamentos terroristas e extremistas, mas ainda não causaram nenhum dano real e sério".

O objetivo é "colocá-las de volta no caminho certo, protegê-las do terrorismo e do extremismo, criar ocupação segura (e) melhorar a qualidade de vida", para que os uigures possam "levar uma vida feliz", lê-se no site da embaixada chinesa em Berlim.

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