UE quer aumentar produção de munições para ajudar a Ucrânia
5 de maio de 2023A União Europeia quer acelerar a fabricação de armas dentro do bloco nos próximos 12 meses, e revelou seus planos para atingir esse objetivo nesta semana.
O anúncio, feito na quarta-feira (03/05), veio após meses de noticiário sobre a escassez de munições que ameaça a Ucrânia, país que resiste há mais de um ano à invasão russa.
"O setor europeu de defesa tem que ver como podemos entrar em modo de economia de guerra", declarou em Bruxelas o Comissário do Mercado Interno Europeu, Thierry Breton, que visitou fábricas de munições nas últimas semanas.
"Estamos falando em expandir a produção atual, modernizá-la – talvez criando novas linhas de produção e fábricas dentro de plantas que já existem, e também reconvertendo antigas fábricas de munições, que podem ser adaptadas aos padrões atuais", disse.
Pelo plano apresentado, as empresas do bloco europeu poderiam se beneficiar de até 500 milhões de euros em subsídios do orçamento compartilhado. Todos os projetos devem ser financiados conjuntamente pelos Estados-membros – o que, segundo Breton, poderia ampliar esse orçamento em outros 500 milhões de euros.
Segundo o comissário, o apoio permitiria elevar a capacidade produtiva europeia a 1 milhão de projéteis por ano dentro de 12 meses – a capacidade de produção atual é mantida sob sigilo. Ele declarou esperar que a proposta seja aprovada até junho.
Com duração de dois anos, a iniciativa também permitiria aos Estados-membros remanejar, para este fim, verbas do fundo de recuperação econômica pós-pandemia e de desenvolvimento regional para regiões mais pobres (os chamados fundos de coesão).
Plano de três frentes para armar a Ucrânia
O anúncio desta quarta é o terceiro e último pilar de um plano de ajuda à Ucrânia acordado entre os Estados-membros da União Europeia em março, cada um no valor de cerca de 1 bilhão de euros.
O primeiro, já em andamento há algum tempo, consiste no uso de fundos compartilhados para ressarcir parcialmente os países da UE que recorrerem aos seus próprios estoques de armamentos para apoiar a Ucrânia.
Um dos que recorreram a esse fundo, a Estônia, tem sido alvo de críticas nas últimas semanas por supostamente usar a medida como subterfúgio para substituir arsenal velho – uma acusação que o governo de Tallinn repeliu veementemente.
O segundo pilar, que prevê aquisições conjuntas entre os países de munições para a Ucrânia, está parado devido a uma disputa política nos bastidores sobre se empresas de defesa de fora da União Europeia poderiam disputar contratos caso produzam mais rapidamente do que os concorrentes dentro do bloco. A Suécia, que atualmente preside a UE, informou que houve um acordo sobre esse ponto também nesta quarta, o que abre caminho para licitações.
Subsídios a armamentos é "quebra de paradigmas"
Desde a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro do ano passado, a União Europeia vem mudando de posição sobre vários assuntos que, antes, eram considerados tabus. O bloco, afinal, foi fundado como um projeto de paz num contexto de recuperação europeia após a Segunda Guerra Mundial, razão pela qual até então gastos militares de recursos públicos da UE em zonas de conflito eram vetados.
IIsso mudou com a eclosão da guerra às portas do bloco e a determinação de apoiar Kiev contra Moscou, impulsionando a criação de novos mecanismos de financiamento de ajuda militar "fora do orçamento".
"A Comissão Europeia está quebrando paradigmas", disse à DW Camille Grand, analista do Conselho Europeu de Relações Exteriores, think tank europeu especializado em política e segurança. "É a primeira vez que a União Europeia gastará dinheiro do bloco com a indústria de defesa – não só pesquisa e desenvolvimento, mas de fato para apoiar o setor", observou o especialista.
Não há solução rápida para aumentar capacidade produtiva, alerta especialista
Grand ressalta que, embora os 500 milhões de euros sejam uma quantia significativa, ainda não se sabe se o aporte surtirá efeito tão rapidamente quanto esperado pelos representantes do bloco.
Segundo o especialista, turbinar a produção de armamentos requer tempo, ao menos alguns meses. Embora a fabricação de munição seja mais simples e rápida que a de tanques ou aeronaves, ampliar cadeias de suprimentos complexas e obter a mão de obra qualificada necessária é algo que leva tempo.
A capacidade produtiva europeia, ainda de acordo com Grand, não foi pensada para o cenário de uma grande guerra. "O termo 'economia de guerra' pode soar um pouco exagerado, mas, de certa forma, também nos diz algo sobre o quanto precisamos mudar."
Ao mesmo tempo, a indústria de defesa tem se mostrado avessa à ideia de aumentar massivamente sua capacidade produtiva correndo o risco de ver a demanda cair abruptamente caso a guerra na Ucrânia termine.
Para Grand, iniciativas conjuntas entre a UE e a aliança militar do ocidente, a Otan, sinalizam à indústria que o investimento vale a pena. "Primeiro, porque parte dele será coberto pela União Europeia. Mas também porque vai ter uma demanda que durará não por algumas poucas semanas ou meses, mas por vários anos."
"Economia de guerra" financiada por fundos de combate à pobreza?
Embora a UE esteja quebrando paradigmas, a ideia de eventualmente destinar à indústria bélica um dinheiro do bloco inicialmente concebido para o combate à desigualdade e o socorro de economias no pós-pandemia não agrada a todos.
Eurodeputada pelo partido de esquerda alemão Die Linke, Martina Michels criticou esse aspecto do plano em um posicionamento oficial.
"Os fundos estruturais da UE são nossos instrumentos para investimentos estratégicos de longo prazo. O propósito deles é promover a harmonização das condições de vida paralelamente a mudanças estruturais pró-clima", escreveu. "Eles não deveriam ser usados para armamentos sob nenhuma circunstância. Uma economia de guerra não é sustentável do ponto de vista social, ecológico e econômico."
O Comissário do Mercado Interno Europeu ressalta que a escolha de recorrer a esses fundos para o investimento na indústria de defesa cabe aos Estados-membros. Um exemplo possível, cita Breton, seria a ampliação da capacidade produtiva de uma fábrica de munições que tenha enxugado sua linha nos últimos anos.
"Temos que ser rápidos em termos de financiamento e permitir a expansão do setor industrial", defende.