Ajuda a refugiados
27 de agosto de 2009Em entrevista à Deutsche Welle, o porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), Stefan Telöken, enunciou as razões que explicam por que, hoje, o número de requerentes de asilo na União Europeia (UE) é bem menor do que na década de 1990.
Deutsche Welle: Cerca de 15.700 refugiados foram contados pela Agência da ONU para os Refugiados no primeiro semestre de 2009. Esse número representa menos de um quarto dos refugiados registrados em 2008. Trata-se de uma tendência positiva?
Stefan Telöken: Isso depende de vários fatores. Por um lado, a política de diferentes Estados de conter os boatpeople [refugiados que chegam em barcos] nas fronteiras externas da União Europeia mostrou resultados. Isso é válido para a Espanha em relação aos países da África Ocidental e para a Itália em relação à Líbia.
Esse deve realmente ser um dos motivos. O outro pode estar na economia – mesmo que não tenhamos alusões explícitas à situação econômica. Talvez devido à crise, aquelas pessoas que tentariam encontrar trabalho na Europa se abstenham de fazer a perigosa travessia marítima para o continente.
Apesar disso, muitas pessoas ainda se põem a caminho da Europa?
De maneira geral, persiste a questão do abismo entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, naturalmente. É bem possível que esse abismo se torne ainda mais profundo. No entanto, é preciso ser dito que, apesar de a tragédia dos refugiados marítimos ainda estar, justificadamente, bastante presente entre nós, comparando com o número total de pessoas que vêm para a Europa, comparando, sobretudo, com a quantidade de refugiados que chega ao continente, o número dos provenientes de países africanos é muito pequeno. E a quantidade de refugiados que chegam de barco é, também, antes pequena, em comparação. A maioria das pessoas foge pelas fronteiras terrestres.
A Itália continua sendo o principal país de destino dos boatpeople. No entanto, o acordo entre a Itália e a Líbia dificultou a evasão. O que está por trás disso?
Em junho último, Itália e Líbia assinaram um acordo estipulando que pessoas resgatadas por navios italianos na costa da Itália sejam levadas para a Líbia, caso fique claro que seus barcos partiram de lá. Assim, nesse meio tempo já foram devolvidos à Líbia até mesmo vários navios.
Nesses casos, nossa preocupação gira em torno das pessoas que procuram proteção, que precisam de asilo – e que são uma parcela nada pequena dos que tentam chegar à Europa através do Mediterrâneo. Elas não têm qualquer possibilidade de se asilar na Líbia. O país não possui um sistema de asilo, não assinou a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, e a Acnur tem ali somente acesso restrito aos refugiados ou aos que procuram proteção.
Até o momento, os processos de asilo são regulamentados de formas distintas dentro da UE. Que vantagens traria uma regulação europeia única e como esta deveria ser?
A harmonização dos processos de asilo não está apenas iniciando, ela já se encontra em sua terceira fase. No entanto, ainda estamos bem longe de obter regras comuns para a UE. Temos diretivas e critérios comuns, que ficam, todavia, só no papel, na prática a situação é bem diferente. Alguns Estados apresentam uma quota elevada de concessão de asilo para refugiados de certos países, como o Iraque, por exemplo. Em outros, essa quota é muito baixa, o que é o caso da Grécia. Em certos países, existe um sistema de asilo eficaz, em outros – veja-se a Grécia – ele só existe no papel.
Assim, um objetivo essencial é que se chegue, nos próximos anos, a um padrão de proteção na UE: mais qualidade nos processos de asilo e mais solidariedade interna, mas também externa, no que tange à União Europeia. Essas são as duas peças fundamentais que deverão formar o futuro sistema de asilo da UE.
O senhor acha que vai funcionar?
Trata-se de um processo demorado que sofre vários reveses. E se observarmos agora os acontecimentos mais recentes, no Mediterrâneo, por exemplo, então há motivos para ceticismo. No tocante à harmonização das leis de asilo – e esta é uma observação crítica –, a meta continua sendo apenas alcançar um mínimo denominador comum, sempre que possível.
Mas existem também alguns progressos. Com vista à solidariedade internacional dos países-membros da UE, seria importante, por exemplo, criar programas de reassentamento, na União Europeia, de refugiados provenientes de terceiros países. Na UE, não existem mais do que esboços de tais programas. Nos EUA, Austrália, Canadá, por exemplo, eles são numerosos. Seria necessário o bloco europeu fazer mais nesse sentido.
O porta-voz da Comissão Europeia, Johannes Leitenberger, declarou, no começo do ano, que a política da Comissão seria organizar a solidariedade. O senhor acha que isso pode funcionar?
É preciso considerar a situação dos países-membros situados nos extremos geográficos da UE, que enfrentam um desafio especial. Penso especialmente em Malta, que, em proporção ao tamanho de sua população, acolheu um grande número de asilados.
Existem esforços por parte de outros países para aliviar a carga que recai sobre Malta, dividir a responsabilidade. Há diversos Estados que, dispondo de um sistema de asilo eficiente, são francamente capazes de dar conta do total dos requerentes de asilo e, sobretudo, de garantir proteção aos que a merecem.
Não devemos esquecer que o número de pedidos de asilo em toda a UE é bem menor do que nos anos 90. Na ocasião, havia 750 mil requerentes de asilo, agora são um pouco mais de 200 mil. Existem situações de crise que necessitam de análise; mas, de maneira geral, a UE certamente não ficará sobrecarregada em ajudar os que precisam de proteção.
Entrevista: Jörg Brunsmann
Revisão: Augusto Valente