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UE pode e deve restringir o investimento chinês?

Jo Harper
25 de outubro de 2022

Bloco europeu quer reduzir a dependência do dinheiro de Pequim. Mas em meio à turbulência da guerra na Ucrânia e a demandas tecnológicas, muitos questionam essa atitude.

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Xi Jinping discursa no Congresso do Partido Comunista Chinês
Xi Jinping obteve um inédito terceiro mandato como presidente no Congresso do Partido Comunista ChinêsFoto: Ju Peng/Xinhua/AP/picture alliance

A coalizão de governo da Alemanha está considerando permitir que a gigante estatal chinesa de transporte marítimo Cosco assuma uma participação num terminal portuário de Hamburgo, revelaram fontes do governo à agência de notícias Reuters nesta terça-feira (25/10).

A Cosco originalmente planejava adquirir uma participação de 35% no terminal da empresa de logística HHLA em Hamburgo. Um meio-termo, supostamente defendido pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz, seria Berlim aprovar a venda para a Cosco de 24,9% de um de seus quatro terminais de contêineres. Contudo, os ministérios alemães da Economia e do Exterior desaconselham o negócio, mesmo com as modificações.

China é "rival com visão alternativa"

Essa proposta vem depois de os líderes da UE terem concordado que a China deveria ser vista principalmente como uma rival que promove "uma visão alternativa da ordem mundial". Na semana anterior, os 27 líderes discutiram maneiras de reduzir a dependência em relação à China quanto a equipamentos de tecnologia e minerais usados na fabricação de microchips, baterias e painéis solares. Mas em nível nacional e entre especialistas, as opiniões estão divididas obre a melhor forma de agir.

"A China não vai desaparecer. Pelo contrário, vai se tornar cada vez mais importante", avalia Martin Jacques, um dos principais especialistas globais em China e membro da diretoria do Instituto para China da Universidade de Fudan, em Xangai: "A Europa precisa de uma estratégia informada sobre isso, em vez de uma resposta automática a fatores de 'segurança', que pode ser uma frase genérica para dizer 'não'", disse à DW.

Alguns analistas fazem precisamente essa conexão estratégica entre interdependência econômica questões de segurança. "Podemos esperar níveis crescentes de assertividade chinesa – sobretudo se sua economia não se recuperar – e tentativas crescentes para instrumentalizar as dependências comerciais existentes da Europa", prevê Matej Simalcik, diretor executivo do Central European Institute of Asian Studies (Ceias), think tank sediado em Bratislava, Eslováquia.

Ruslan Stefanov, do think tank búlgaro Centro para o Estudo da Democracia (CSD) acredita que a UE deve aprender com sua experiência com a Rússia, em que, liderado pela Alemanha, o bloco "caiu como um sonâmbulo na armadilha de Putin". "A Europa aumentou sua dependência do gás russo mesmo após a invasão da Crimeia em 2014. Mas as empresas que saem da Rússia estão agora correndo para investir na China."

Presidente chinês, Xi Jinping, e premiê grego, Kyriakos Mitsotakis com navio cargueiro ao fundo
Presidente chinês, Xi Jinping, e premiê grego, Kyriakos Mitsotakis, em visita ao terminal da Cosco no porto de PireuFoto: Orestis Panagiotou/AP Photo/picture alliance

Investimentos em queda

A aquisição pela Cosco do Porto de Pireu, na Grécia, em 2016, foi o pico do investimento chinês na UE, com 44,2 bilhões de euros (R$ 230 bilhões) fluindo naquele ano, incluindo uma participação na montadora francesa PSA. O investimento chinês no bloco caiu entre 2016 e 2020, em parte devido à pressão de Donald Trump sobre aliados estrangeiros para evitar cooperação com a China.

Mas em 2021 houve uma breve recuperação, segundo a consultoria EY, com o investimento direto da China na UE e Reino Unido aumentando 17%, para 10,6 bilhões de euros, contra 7,9 bilhões de euros em 2020.

O aumento foi dominado pela aquisição da Philips por 3,7 bilhões de euros pela empresa de capital privado Hillhouse Capital, sediada em Hong Kong. A atividade no setor automotivo foi impulsionada principalmente pelos investimentos chineses em baterias para veículos elétricos. Esses dois setores somaram 59% do investimento total. Os três maiores setores seguintes foram saúde, farmacêutico e biotecnologia, tecnologia da informação e comunicação, e energia.

Desaceleração

As razões para a desaceleração incluem o aumento do investimento doméstico do governo chinês como parte de sua chamada política "2025 Made in China", que visa posicionar o país como potência tecnológica global. A segunda maior economia do mundo também foi prejudicada por controles de capital rígidos, redução de estímulos financeiros e as restrições ditadas pela covid-19.

Do lado europeu, as aplicações econômicas diretas chinesas foram desaceleradas por mecanismos de triagem introduzidos para pesar os riscos de segurança nacional desses investimentos. Isso está em parte ligado ao medo de uma disseminação de "capital corrosivo", ou seja, fontes externas de financiamento que carecem de transparência, responsabilização e orientação para o mercado.

"Os mecanismos de triagem de investimentos da UE ainda examinam as transações dos EUA com intensidade muito maior do que as provenientes da China", afirma Eric Hontz, diretor do Center for Accountable Investment em Washington: "Precisamos entender melhor os fluxos de capital [da China], os verdadeiros proprietários beneficiários das empresas e a estrutura legal e seus riscos na origem do investimento."

Segundo a EY, as empresas chinesas estão cada vez mais participando de financiamentos de capital de risco, o que torna difícil a coleta de dados. A Datenna, empresa holandesa que monitora os investimentos chineses na Europa, descobriu que 40% dos 650 dessas aplicações 2010 e 2020 tiveram "envolvimento alto ou moderado de empresas estatais ou controladas pelo Estado".

Pequenas empresas em foco

É improvável que a próxima fase do investimento chinês em infraestrutura na UE se pareça com as anteriores, num momento em que Pequim cada vez mais procura empresas menores, na tentativa de se manter abaixo do radar da triagem europeia.

De acordo com a consultoria de tecnologia e empresa de investimentos GP Bullhound, com sede em Londres, a Tencent foi a investidora chinesa mais ativa na Europa no fim de 2021. Cinco em cada seis negócios realizados envolvendo tecnologia de financiamento europeia foram feitos pelo conglomerado de tecnologia, incluindo investimentos na plataforma de pagamentos francesa Lydia, na empresa alemã Billie e na firma polonesa de software de jogos Gruby Entertainment.

Os setores mais atraentes para o investimento de capital de risco da China na Europa são biotecnologia, tecnologia limpa, tecnologia de financiamento, comércio eletrônico, jogos e inteligência artificial. Em 2021, os fundos chineses de capital de risco e criptomoedas mais que dobraram seu financiamento na Europa para um nível recorde de 1,2 bilhão de euros, concentrados principalmente no Reino Unido e na Alemanha. Outra maneira de evitar a triagem da UE é o investimento greenfield, ou seja, a construção de centros de pesquisa e desenvolvimento e a parceria com universidades europeias.

Xi Jinping e Olaf Scholz
Xi e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, durante o G20 na Alemanha, em 2017Foto: Carsten Rehder/dpa/picture alliance

UE dividida ou unida?

Seja qual for a decisão da UE, alguns avalistas se preocupam com a falta de unidade dentro do bloco sobre como lidar com o impulso investidor da China. Eric Hontz acha que a China está "escolhendo vencedores e perdedores" para exercer pressão econômica significativa, causando atrito entre os países-membros da UE. "Se trocarmos o gás produzido na Rússia por energia solar e eólica produzida na China, onde vai parar a Europa?"

Então, como a UE deve fazer negócios com a China? "Em uma palavra: com cuidado", destaca Hontz, acrescentando que a UE precisa reconhecer que esta não é a China de 15 anos atrás, e. "a aparente intenção de Xi não é maximizar a prosperidade do povo, mas aumentar o poder e a influência do Estado".

Martin Jacques adota uma perspectiva diferente, perguntando: o que resultou da rodada de experiência do investimento chinês até então? "Parece-me que o investimento da [montadora chinesa] Geely foi crucial para transformar a Volvo numa força cada vez mais competitiva. Muito melhor do que seu proprietário anterior, a Ford, que a estava levando para o fundo."

O ceticismo europeu em relação ao investimento chinês pode ser motivado por "uma nova guerra fria e mentalidade sinofóbica", especula Jacques. "Isso é para o bem ou para o mal? Eu diria pessoalmente para o mal. A Europa precisa agir independentemente dos EUA e ter sua própria maneira de pensar e se relacionar com a China."