Ucrânia e Ocidente temem pretexto para invasão russa
17 de fevereiro de 2022Em meio ao ceticismo do Ocidente diante de anúncios de Moscou sobre a retirada de tropas russas da fronteira ucraniana, as tensões entre a Rússia e o Ocidente ganharam novo impulso nesta quinta-feira (17/02).
De acordo com observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), houve novas violações do cessar-fogo no leste da Ucrânia, com rebeldes pró-Rússia e o exército ucraniano culpando-se mutuamente.
Segundo a OSCE, houve fogo de artilharia, desrespeitando o Protocolo de Minsk, assinado em 2015, que determina o cessar-fogo na região.
O centro de comando militar ucraniano no leste alegou que as forças apoiadas pela Rússia dispararam artilharia pesada "com especial cinismo" na vila de Stanytsia-Luganska, na região de Lugansk.
Segundo Kiev, os projéteis teriam atingido um jardim de infância e uma escola, onde alunos tiveram que se esconder em um porão. O fornecimento de energia elétrica também teria sido afetado. Dados preliminares apontam que dois civis ficaram feridos, afirmou o comando militar.
Já os representantes da autoproclamada República Popular de Lugansk, onde há separatistas pró-Rússia, afirmam que as Forças Armadas ucranianas realizaram quatro ataques contra seus territórios nas últimas 24 horas, usando morteiros e lançadores de granadas.
O exército ucraniano nega as acusações. Um porta-voz das forças do governo disse à agência de notícias Reuters que, embora os separatistas tenham disparado contra a área, não houve contra-ataque.
"Provocação russa"
Acusações mútuas também foram trocadas no mais alto nível político. "A infraestrutura civil foi danificada. Apelamos a todos os parceiros para que condenem esta grave violação do Protocolo de Minsk em uma situação de segurança já tensa", disse o ministro do Exterior da Ucrânia, Dmytro Kuleba.
Um alto funcionário ucraniano afirmou que os recentes ataques no território separatista não se encaixam na natureza das violações usuais do cessar-fogo e parecem uma "provocação". O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também classificou o suposto ataque de separatistas ao jardim de infância de "uma grande provocação".
Países ocidentais já acusaram repetidamente a Rússia de ter planos de incitar ou encenar um incidente nas áreas controladas por rebeldes para justificar um ataque.
"Temos dito há algum tempo que os russos podem fazer algo assim para justificar um conflito militar. Então, estaremos observando isso muito de perto", disse o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, após uma reunião com ministros da Defesa da Otan.
A ministra das Relações Exteriores do Reino Unido, Liz Truss, escreveu no Twitter: "Relatos de um suposta atividade militar anormal da Ucrânia em Donbass são uma tentativa flagrante do governo russo de fabricar pretextos para uma invasão. Isso vem direto do manual do Kremlin."
A Otan também manifestou preocupação com a possibilidade de "a Rússia estar tentado encenar um pretexto para um ataque armado contra a Ucrânia. Ainda não há clareza ou certeza sobre as intenções russas", afirmou o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg.
"Eles têm tropas e capacidades suficientes para lançar uma invasão total da Ucrânia com muito pouco ou nenhum aviso prévio", disse. "Isso é o que torna a situação tão perigosa."
O Kremlin, por sua vez, afirmou que está "seriamente preocupado" com relatos de uma escalada no leste da Ucrânia. A Rússia já alertou repetidamente contra a concentração de tropas ucranianas na chamada linha de contato, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
Conflito já deixou mais de 14 mil mortos
Desde 2014, forças do governo ucraniano combatem separatistas pró-Rússia no leste ucraniano, os quais detêm o controle sobre grande parte das províncias de Lugansk e Donetsk, autodeclaradas repúblicas populares autônomas. Segundo estimativas da ONU, o conflito já deixou mais de 14 mil mortos, a maioria nas regiões sob domínio dos separatistas.
Um plano de paz negociado em Minsk em 2015 não está sendo implementado. De acordo com informações da OSCE, o cessar-fogo é quebrado quase diariamente – no entanto, não com a magnitude desta quinta-feira. A missão da OSCE na Ucrânia é a maior da Europa, com observadores de 44 países.
O acordo de 2015, que surgiu por meio de uma mediação franco-alemã, prevê a reintegração das áreas separatistas ao território da Ucrânia, mas com ampla autonomia.
As duas regiões separatistas de Lugansk e Donetsk não são reconhecidas como independentes pela Rússia. A Duma, o Parlamento russo, quer mudar isso e aprovou nesta semana um pedido para que o presidente Vladimir Putin declare as duas regiões como "repúblicas populares". A medida, aprovada por ampla maioria, foi fortemente condenada pelo governo ucraniano, pela União Europeia e pela Otan.
Contradizendo as afirmações da Rússia de que tropas que estavam próximas à fronteira com a Ucrânia começaram a retornar para suas bases habituais, um alto funcionário do governo americano disse que mais de 7 mil soldados foram deslocados para a fonteira ucraniana dos últimos dias, incluindo alguns que chegaram na quarta-feira.
A Otan estima que mais de 100 mil soldados russos estejam nas proximidades da fronteira com a Ucrânia, e Moscou insiste que não tem intenção de invadir e que está buscando uma rota diplomática para resolver suas preocupações de segurança e reverter a influência do Ocidente no Leste Europeu.
le/lf (Reuters, AFP, dpa, ots)