Ucranianos em Portugal condenam falas de Lula sobre guerra
20 de abril de 2023A comunidade ucraniana em Portugal criticou em uma carta aberta as recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a invasão russa da Ucrânia, e disse estar "muito preocupada e apreensiva" com a posição do Brasil sobre o conflito.
A carta foi obtida pela agência de notícias Lusa nesta quinta-feira (20/04) e será entregue na sexta-feira à embaixada do Brasil em Lisboa, quando Lula chega a Portugal para uma visita oficial de quatro dias.
O documento foi redigido em nome da comunidade ucraniana que vive em Portugal e nos demais países da União Europeia (UE), e pelos mais de oito milhões de ucranianos refugiados em todo o mundo devido à guerra.
A carta cita que o presidente brasileiro têm dito que a culpa pela guerra seria compartilhada entre a Rússia e a Ucrânia e que a solução para o fim do conflito passaria pela Ucrânia desistir de parte de seu território – e lembra a recepção em Brasília ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, na segunda-feira.
Dirigindo-se a Lula, o documento afirma: "Senhor presidente, se há momentos na história em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência nem o temor este é, definitivamente, um deles".
O signatários também reforçam o convite feito pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, para que o brasileiro vá à Ucrânia "para ver in loco e com os seus próprios olhos, o significado de 'paz russa'".
O que Lula disse
No início de abril, Lula sugeriu à Ucrânia que cedesse a Crimeia a Moscou a fim de negociar o fim da guerra. "[O presidente russo, Vladimir] Putin não pode ficar com o território da Ucrânia. A Crimeia pode ser discutida. Mas o que ele invadiu de novo, ele tem que repensar", disse o presidente em encontro com jornalistas no Palácio do Planalto.
A declaração gerou reação de Kiev, que "deixou claro que a Ucrânia não faz comércio com os seus territórios". A esmagadora maioria da comunidade internacional continua a considerar a Crimeia território da Ucrânia, nove anos depois de, com sua anexação, o presidente russo, Vladimir Putin, começar a retalhar o território ucraniano.
No último fim de semana, em visita aos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que a Ucrânia seria corresponsável pelo início do conflito. "A construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países."
O brasileiro também acusou os EUA e a Europa de prolongarem o conflito no Leste Europeu. A declaração gerou reação internacional, e a Comissão Europeia e a Casa Branca rebateram na segunda-feira as críticas feitas pelo brasileiro.
Na terça-feira, Lula amenizou o tom e disse que seu governo condena a violação do território ucraniano, ao mesmo tempo que defende "uma solução política negociada para o conflito". O brasileiro defendeu a criação "urgente" de um grupo de países capazes de mediar o fim da guerra, "que tente sentar-se à mesa tanto com a Ucrânia como com a Rússia para encontrar a paz".
O que diz a carta
Assinada pelo presidentes do Congresso Europeu dos Ucranianos, Bogdan Raicinec, e da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, o documento afirma que "ninguém quer ver o bom nome do Brasil, enquanto nação democrática e livre, manchado como aliado do regime criminoso do Kremlin, pelo que as recentes declarações nos deixaram muito preocupados e apreensivos".
"Consideramos que qualquer tipo de apoio que o Brasil possa entender conferir à Federação Russa será desprestigiante, levará a uma desconfiança da comunidade internacional."
O documento diz que "qualquer acordo de paz justa proposto pela Federação Russa acabará em campos de concentração para o extermínio da nação ucraniana com a solução silenciosa 'Z'", uma referência à letra pintada nos veículos militares russos usados na invasão da Ucrânia.
"Já vivemos a situação no século passado com a ação de extermínio perpetrada pelos nazis e que culminou com a organização comunista do Holodomor, numa tentativa de erradicar qualquer sobrevivente ucraniano. Resistimos e sobrevivemos", sublinham.
A carta afirma que os ucranianos vão "continuar a lutar", sobretudo pelas "crianças que [o presidente russo, Vladimir] Putin deporta para a Rússia ao mesmo tempo que executa os seus pais". "Permita-nos recordar que a deportação ilegal das nossas crianças foi, aliás, a base de acusação para a emissão de um mandato de captura contra Vladimir Putin emitido pelo Tribunal Penal Internacional", acrescenta.
A carta diz ainda que a guerra da Ucrânia já dividiu o mundo em dois polos, "um que defende a liberdade, a ordem e o progresso, e outro que põe os seus interesses imperialistas e oligárquicos acima do bem supremo da vida humana, da ordem e paz internacionais".
E, dirigindo-se a Lula, afirma: "Senhor presidente, se há momentos na história em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência nem o temor este é, definitivamente, um deles".
"Os ucranianos nunca esquecerão os bravos militares brasileiros que ajudaram a libertar a Europa do jugo totalitário e, por isso, acreditamos que é chegada a hora de Vossa Excelência comandar o Brasil na direção do lado certo da história e alinhada com o mundo livre", conclui o documento.
bl (Lusa, ots)