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Técnica que adapta coração de porco para humanos é estudada no Brasil

Janara Nicoletti31 de agosto de 2013

Cientistas trabalham com a técnica chamada de descelularização. Eles pesquisam como adaptar o coração de porco para ser transplantado em uma pessoa. Técnica pode começar a ser testada em humanos já em 2015.

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Foto: picture-alliance/dpa

No Brasil, existem cerca de 220 pessoas aguardando um transplante de coração, segundo o Ministério da Saúde. Apesar deste número parecer pequeno, a demora pode durar meses – e até mesmo anos – por causa da dificuldade de se conseguir um doador compatível e de entraves logísticos que podem comprometer a captação.

No primeiro semestre de 2013 foram feitas 126 operações do tipo em todo o país – 227 foram registradas em 2012, 43% a mais que 2011. Incompatibilidade e rejeição são problemas que podem comprometer a eficácia do transplante. Para minimizar esses efeitos colaterais e acabar com a dependência de imunossupressores, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) investem na técnica de descelularização cardíaca.

A ideia é transformar o coração de um animal em um órgão adaptável ao corpo humano. Para isso, os cientistas retiram todas as células do coração doador e implantam nele células saudáveis do paciente que receberá o transplante. "Não deve haver risco de rejeição, porque as células que farão aquele órgão funcionar serão do próprio organismo receptor", explica Regina Coeli dos Santos Goldenberg, chefe do Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular da UFRJ. Segundo ela, aos poucos, o organismo irá se adaptar e acomodar perfeitamente o novo órgão, sem precisar de remédios contra rejeição.

A pesquisa começou há cerca de dois anos e, por enquanto, os cientistas utilizam corações de ratos criados em laboratório. Os trabalhos com órgãos extraídos de porcos devem começar ainda em 2013. Como a estrutura cardíaca desse animal é semelhante ao do homem, ele foi escolhido para servir como matriz.

O grupo espera que os testes em corações de suínos sejam concluídos até o final de 2015, quando deve ser iniciado o processo de liberação dos primeiros testes em humanos.

Como funciona

Descelularizar tecidos é uma técnica estudada por pesquisadores do mundo todo. Ela já é usada para fazer implantes de órgãos como bexiga, nariz, orelha e válvulas cardíacas. Os cientistas injetam uma substância chamada de detergente que lava o órgão e desgruda todos os componentes lipídicos (gordura), que compõem a estrutura celular. Desta forma, as células são expelidas.

Em 2012 foram feitos 227 transplantes no Brasil
Em 2012 foram feitos 227 transplantes no BrasilFoto: picture-alliance/dpa

No caso do coração, aos poucos, ele perde a cor avermelhada e fica quase transparente. Sobra apenas a membrana formada por colágeno e proteínas. Ela serve como um molde tridimensional, onde as células do paciente serão implantadas e, a partir daí, o novo coração será formado. "Elas serão injetadas no órgão que vai ser banhado aos poucos, recobrindo todos os espaços vazios. A ideia é de que nesse ambiente, as células comecem a desempenhar funções cardíacas, fazendo o coração bater de forma sincronizada", afirma Goldenberg.

Agora, os cientistas da UFRJ buscam descobrir qual o melhor grupo de células para utilizar no processo de rescelularização cardíaca. A equipe, composta por seis pesquisadores, irá "reprogramar" as células para que elas voltem ao estado embrionário, quando podem receber diferentes funções. Neste estágio, serão transformadas em células cardíacas e implantadas no coração a ser transplantado.

Válvulas cardíacas descelularizadas

Em Curitiba, no Paraná, uma pesquisa desenvolvida entre 1995 e 2005 resultou na criação de um banco de válvulas cardíacas e pulmonares descelularizadas. A experiência brasileira foi patenteada e comprada por uma empresa da Inglaterra, em 2011. No Brasil, ela atende a pacientes dos sistemas de saúde público e privado. É uma alternativa aos implantes tradicionais.

"Com o tempo, se percebeu que as válvulas produzidas por meio da criopreservação apresentavam rejeição no outro organismo. Não é um problema agudo, mas com o passar do tempo, o sistema imunológico do receptor tenta expulsar o implante. Ele ataca a válvula e a calcifica, exigindo a troca do órgão", argumenta Francisco Diniz Affonso da Costa, diretor médico do Banco de Valvas Cardíacas Humanas da Santa Casa de Curitiba.

As válvulas descelularizadas são extraídas de corações de doadores que, por algum motivo, não puderam ser transplantados em outra pessoa. De acordo com Walter José Gomes, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, a capacidade de doação no país é de cerca de 1.700 órgãos ao ano, mas nem metade disso chega a ser transplantado. "O número de transplantes está crescendo anualmente, mas poderia ser muito maior. O problema está na operacionalização. Muitos procedimentos deixam de ser feitos por não serem realizados em tempo hábil."

Os corações não transplantados são enviados para os bancos de válvulas. Elas são processadas e mantidas sob o método de criopreservação ou são descelularizadas. "Depois de retirarmos as células, a válvula é armazenada até dois meses, para então ser implantada no paciente. O próprio organismo a repovoa com as células do receptor. A resposta imunológica é melhor, as válvulas não calcificam e apresentam mais eficácia no desempenho ", destaca Costa.

De 2005 a 2013, o Brasil registrou 1.500 implantes de válvulas cardíacas e pulmonares. A escolha pelo tipo de órgão, sintético ou descelularizado, é feita pelo cardiologista. Hoje, o Banco de Valvas Cardíacas Humanas de Curitiba é o único do Brasil a oferecer este tipo de órgão. A instituição recebe pedidos de todo o país e possui lista de espera.