Dois estados, uma santa
26 de outubro de 2007Os estados de Hessen e da Turíngia festejam este ano, com uma série de eventos religiosos e culturais, os 800 anos do nascimento de Isabel da Hungria. Lembrada como "irmã dos pobres", Elisabeth von Thüringen, como é chamada na Alemanha, teve uma vida breve e controvertida antes de se tornar uma das santas mais jovens da Igreja Católica.
Nascida em 1207, filha do imperador Andreas 2º da Hungria e de Gertrud von Andechs, da Baviera, Isabel noivou aos quatro anos por cálculos político-religiosos dos pais com Ludovico 4°, filho de Hermann 1° da Turíngia. Com a morte de Hermann 1° em 1217, Ludovico 4° (de 17 anos) assumiu a regência e, quatro anos depois (1221), casou com Isabel, que então tinha 14 anos.
Segundo uma lenda transformada em musical para os festejos deste ano, Isabel chocou a nobreza da Turíngia, um dos feudos mais ricos do Sacro Império Romano-Germânico, ao distribuir alimentos, roupas, dinheiro e até ferramentas agrícolas aos súditos pobres.
Com isso, teria provocado tantos atritos na família, que acabou na rua. No inverno de 1227, ela e seus três filhos teriam sido expulsos do pomposo castelo de Wartburg, em Eisenach, então sede do ducado da Turíngia.
Princesa sem-teto
Na condição de "sem-teto", ela se mudou para Marburg (hoje estado de Hessen), onde fundou um hospital e, na opinião do historiador Reinhold Schneider, foi "oprimida pelo ditador das almas Konrad von Marburg", seu mentor espiritual e ferrenho defensor das Cruzadas e da Inquisição.
"Konrad foi a sombra, o demônio na vida dessa personalidade brilhante. Ele a castigava com autoflagelações – um sadomasoquismo numa vida santa ", escreve Schneider.
Em 17 de novembro de 1231, aos 24 anos, Isabel morreu em Marburg. Atribui-se ao seu trabalho caritativo o fato de essa cidade ser ainda hoje sede de grandes organizações filantrópicas alemãs, entre elas a Lebenshilfe, dedicada a pessoas deficientes.
Apenas três anos após a morte, ela foi canonizada pelo papa Gregório 9º, embora já tivesse se tornado alvo de culto nos seus últimos anos de vida. Conta a lenda que alguns caçadores de relíquias chegaram a arrancar mechas de cabelo do cadáver de Isabel durante o enterro.
Apesar de ter cor de fábula, a vida e a obra de Santa Isabel da Hungria exposta em Eisenach tem aspectos questionáveis, como sua submissão ao inquisidor Konrad ou o "casamento forçado" na infância, algo incompatível com os valores europeus contemporâneos, avalia o jornal General Anzeiger, de Bonn.
"Santa européia"
Apesar disso, ela está sendo festejada como "uma santa européia", não só por ter vivido na Hungria e na Alemanha. No castelo de Wartburg, patrimônio histórico da humanidade desde 1999, uma exposição com 430 peças oriundas de vários países da Europa retrata a biografia de Isabel e mostra que a santa tem seguidores até hoje em vários países do continente.
Um outro aspecto curioso é que os 800 anos de seu nascimento são lembrados tanto pelos católicos quanto pelos luteranos alemães. Quem visita a exposição em Eisenach passa obrigatoriamente pela sala em que Martinho Lutero, quase 300 anos após a morte de Isabel da Hungria, traduziu a Bíblia para o alemão.
Lutero chegou a mencionar a santa em seus famosos sermões. "Não idolatramos relíquias, mas vemos os santos como exemplos de fé e ação", diz a pastora luterana Mechthild Werner, encarregada da Igreja Luterana para o "ano de Isabel".
Durante a divisão alemã (1949 a 1989), a admiração pelas obras de caridade de Isabel da Hungria foi uma espécie de "ponte espiritual" entre os cristãos da Turíngia (então Alemanha Oriental) e os de Hessen (na época, Alemanha Ocidental).
As comemorações deste ano também aumentaram o fluxo de turistas entre os dois estados, informa a prefeitura de Eisenach. O ingresso para a exposição vale para visitar, durante dois dias, mais de 60 atrações turísticas na Turíngia e em Hessen. Entre Eisenach e Marburg até foi aberta uma nova trilha para quem quiser caminhar nos rastros da santa.