Turquia mira EI na Síria, mas tem curdos como alvo
24 de agosto de 2016Pela primeira vez desde o início da guerra civil na Síria, as forças turcas, apoiadas pelos Estados Unidos, cruzaram por terra a fronteira do país vizinho para, abertamente, intervir no conflito.
Nas primeiras horas desta quarta-feira (24/08), a Turquia começou a realizar bombardeios – com apoio de tanques e obuses – em Jarablus, cidade síria na fronteira tida como último bastião do "Estado Islâmico" na região, às margens do rio Eufrates.
Os jatos F-16 se encarregaram dos bombardeios contra as posições do EI, enquanto tropas especiais fizeram o trabalho por terra. Os tanques Leopard, de fabricação alemã, completaram a ofensiva, com ajuda de combatentes sírios apoiados por Ancara. Os EUA confirmaram que estão fornecendo cobertura aérea aos turcos.
A ação marca um novo nível de envolvimento da Turquia no conflito sírio e é oficialmente uma resposta do governo Recep Tayyip Erdogan ao atentado suicida de sábado passado num casamento curdo, que deixou 54 mortos e foi atribuído ao "Estado Islâmico", e a outros ataques extremistas.
O principal objetivo da operação, no entanto, é evitar que a população de Jarablus seja liberada do "Estado Islâmico" por milícias curdas, que avançam e poderiam criar um corredor curdo na fronteira.
Durante a operação, o ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu, alertou a milícia curdo-síria Unidades de Proteção Popular (YPG) a ficar longe de Jarablus: "Se o YPG não retroceder para o leste do Eufrates, a Turquia vai fazer o que for necessário", afirmou o chanceler.
A Turquia está atenta aos ganhos territoriais dos curdos na guerra civil da Síria e teme que isso possa inflar o movimento separatista da minoria curda em seu território. Curdos estabeleceram três zonas autônomas no norte da Síria desde que a guerra civil eclodiu, em 2011. Eles negam, porém, que estejam tentando fundar um Estado próprio.
A operação desta quarta-feira marca uma mudança em como o governo Erdogan vê a guerra civil. A posição inicial, com Ahmet Davutoglu como primeiro-ministro (augusto de 2014 até maio de 2016), era de pressionar por uma mudança de regime na Síria.
"Mas a Turquia se viu diante da possibilidade de que o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão] encontrasse porto seguro no norte da Síria", comenta o analista político Selim Sazak.
Sazak lembra que os turcos passaram a ver, no último ano, um crescente número de ataques do EI e da insurgência curda. Com o pragmático Binali Yildirim como premiê, afirma o especialista, os turcos decidiram agir ao perderem a confiança de que os EUA podem manter as milícias sírio-curdas sob controle.
Operação era questão de tempo
Para o também analista politico Selim Koru, o mais surpreendente da operação de Jarablus é ela ter demorado tanto para acontecer. "A Turquia há tempos pede uma zona segura e diz que não vai permitir que as YPG ocupem áreas ao sul de sua fronteira."
Segundo Koru, já havia sinais de que o governo turco queria intervir na Síria antes, mas encontrou resistência dentro das Forças Armadas. Mas veio a tentativa de golpe – e abriu-se a Erdogan a possibilidade de afastar militares opositores.
"Estrategicamente, teria sido melhor para o governo ter intervindo mais cedo. Mas não havia confiança nas instituições antes para fazê-lo. Agora, provavelmente, essa relação mudou – e ele foi adiante", opina o analista político.
Esta foi a primeira vez que aviões de guerra da Turquia, país considerado fundamental na Otan, atingiram a Síria desde novembro, quando os turcos derrubaram um caça russo perto da fronteira. É também a primeira operação significante de invasão das forças especiais turcas desde uma pequena operação para retomar a tumba de Suleyman Shah, figura otomana reverenciada, em fevereiro de 2015.
A ofensiva foi lançada no mesmo dia em que o vice-presidente americano, Joe Biden, chegou a Ancara para encontros com o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, e Erdogan para debater a crise síria.
Biden é o mais alto político ocidental a visitar a Turquia desde a tentativa de golpe de Estado de15 de julho. As autoridades turcas acusaram o religioso Fethullah Gulen, exilado nos Estados Unidos, de ser o responsável pela tentativa de golpe de Estado e têm pressionado Washington a extraditar o teólogo.