Tranquilo, é só o "Brazil Blues"
19 de agosto de 2020O "Brazil Blues" chega a cada sete anos, me disse uma vez um amigo que vive no país desde o início dos anos 1990. É quando você começa a pensar, explicou ele, que tudo é horrível e tem vontade de ir embora. Bem, eu estou aqui há cerca de 20 anos, então pode ser verdade: será que eu tenho Brazil Blues? De todo modo, o Brasil me parece atualmente tão sombrio e sem perspectiva, que me pergunto se é por minha causa ou por causa da realidade.
Isso tem muito a ver com sentimentos, e você nunca sabe exatamente de onde eles vêm e o que querem dizer. E se se baseiam em realidades ou percepções falsas. Afinal, desde março tenho passado a maior parte do tempo em meu apartamento, seguindo a recomendação de distanciamento social. E quando saio, uso máscara e mantenho minha distância em relação ao resto do mundo. Portanto, não seria surpreendente achar o mundo ao meu redor estranho e sombrio.
Há alguns dias, visitei uma região do Nordeste. As ruas estavam desertas, as praias fechadas, a maioria das lojas também. Parecia o pós-apocalipse. Amigos que vivem em Pernambuco, Sergipe e Bahia confirmam minha impressão. O pior, reclamam, é que não há perspectiva de quando o pesadelo vai finalmente acabar. E não há ninguém para apresentar uma saída e dar conforto. Eles se sentem abandonados.
Parece o pior cenário possível. A covid-19 não é mais destaque, as pessoas se cansaram das eternas notícias sobre o vírus. Que regras se aplicam no momento, na praia ou nas ruas, não se sabe mais. Parece que isso não importa mais. Aos poucos você se acostuma ao fato de mil pessoas morrerem todos os dias de um mal invisível, assim como se acostuma ao fato de que centenas morrem todos os dias por causa da violência ou que a corrupção torna impossível uma vida normal em sociedade.
E aparentemente muitos estão se acostumando a ter um presidente inoperante. Por tédio, ele dá voltas de moto ao redor do Planalto, alimenta emas no jardim ou pega um helicóptero para visitar áreas de beira de estrada. O que mais ele deveria fazer, já que quase ninguém mais gosta de suas ideias de incentivar crianças a denunciarem seus professores na escola, armar a população rica ou construir cassinos em reservas naturais. Seus três livros – a Constituição, a biografia de Ustra e a Bíblia - aparentemente ele já terminou. E, aparentemente, também não está mais autorizado a tuitar.
Mas acusar apenas o presidente de inatividade é injusto, é claro. Afinal, uma grande parte da oposição dorme o sono dos justos. O bom dos presidentes polêmicos é que geralmente se forma um interessante contramovimento, que depois das próximas eleições faz a sociedade novamente avançar. Mas não há nenhum sinal disso no Brasil no momento. Sem ideias novas, sem vento de mudança, mas sim as velhas telenovelas que estão sendo retransmitidas.
Por isso vejo as notícias com espanto. O fato de a taxa de aprovação do presidente estar aumentando não me surpreende. Nunca antes um governo distribuiu tanto dinheiro entre os pobres como o atual. Será que eles são esquerdistas em pele de neoliberais? Parece claro que isso não poderá continuar por muito tempo. O que está realmente por vir? Um Estado quebrado em meio à pior recessão da história? Se nem mesmo um governo conservador de direita pode fazer isso, a quem os cidadãos se voltarão, então?
Em todo caso, acho espantoso que metade dos brasileiros pense que o presidente não é responsável pela crise do coronavírus. Seria a morte realmente como a chuva e, em algum momento, todos ficam molhados? Eu pensava que a política deveria ser a arte do possível. E então este fatalismo?
A única que parece ser culpada é uma menina de dez anos, que foi estuprada e engravidou do próprio tio. E que por isso teve que ficar na frente de um hospital e ser insultada por manifestantes que se dizem cristãos. Ela teve que ser transportada na mala de um carro para garantir sua segurança. Essa é a notícia mais deprimente para mim dos últimos dias: com as milhares de mortes por coronavírus, eu já me acostumei.
Ou talvez eu apenas tenha sido atingido pelo Brazil Blues, como a cada sete anos acontece. Normalmente, ele desaparece após alguns meses. Depois disso, acho tudo ótimo novamente.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.