Tragédias no Mediterrâneo pressionam negociações na Líbia
22 de abril de 2015Desde o naufrágio que resultou na morte de cerca de 800 refugiados no último fim de semana, houve uma série de pedidos de socorro por parte de navios que partiram da Líbia. Nesta segunda-feira, a guarda costeira italiana recebeu vários chamados. Um deles teve origem num bote inflável com até 150 passageiros. Outro veio de uma embarcação maior, com cerca de 300 pessoas a bordo.
Os passageiros desses barcos fazem parte do contingente de até mil pessoas salvas diariamente nas últimas semanas por barcos da guarda costeira ou navios mercantes no Mediterrâneo. A maioria dos refugiados inicia a travessia na Líbia, onde, desde os tumultos e a morte do chefe de Estado Muammar Kadafi, em 2011, as condições de segurança pioraram dramaticamente. Há quase dois anos, o país no norte da África vive uma guerra civil.
O conflito provocou dois tipos de ondas de refugiados. Uma delas é formada por jovens líbios, que partem rumo à Europa devido à falta de perspectivas no país natal, ao menos num futuro próximo. Ao mesmo tempo, refugiados vindos do sul da África atravessam a Líbia para chegar à costa. Muitos deles chegam ali por meio de uma rede de grupos terroristas que começa no Sudão e se estende até a Líbia. Jihadistas e traficantes de pessoas trabalham lado a lado, e muitas vezes terrorismo e comércio de ajuda a refugiados se misturam.
Negociações de paz
No domingo passado, o enviado especial da ONU para a Líbia, Bernardino Leon, falou sobre uma possível estabilização da situação política no país. Segundo Leon, as negociações de paz, por ele acompanhadas, estariam "muito próximas" de um acordo final. Se isso se concretizar, também terá consequências para o fluxo de refugiados.
Desde agosto de 2014, Leon tenta reunir os diversos atores políticos da Líbia numa só mesa. Ele tem de servir de mediador entre as mais diversas facções e grupos. Atualmente, o país tem dois Parlamentos nacionais, que reclamam para si a legitimidade. Um deles, o Congresso Geral Nacional na capital Trípoli, emergiu do Parlamento de maioria islâmica.
Os eleitores líbios deram uma resposta clara ao fato de as condições de segurança não terem melhorado nos últimos dois anos: nas eleições parlamentares em junho de 2014, a participação eleitoral foi de apenas 15%.
Lutas por poder e influência
Apesar de o Parlamento ter retomado seus trabalhos após as eleições, uma parcela de seus membros rejeitou sua legitimidade e fundou o próprio governo. Partes do antigo Parlamento mudaram-se, então, para a cidade portuária de Tobruk, no leste da Líbia, onde passaram a conduzir o antigo e, ao mesmo tempo, novo Parlamento. Embora ele continue a ser reconhecido pela maioria dos países, na própria Líbia, o grêmio é bastante controverso. Ainda mais por dispor de forças militares que usa contra grupos islamistas – reunidos na aliança Fajr Libya (Alvorada Líbia).
Tais grupos não perseguem objetivos jihadistas, mas islamistas moderados. Para eles, as questões religiosas não estão em primeiro plano, mas sim a participação no poder político e econômico, o que provoca disputas com grupos rivais no país. Somente na última sexta-feira, lutas entre esses grupos deixaram ao menos 20 mortos.
Os combates entre as diversas facções criaram um vácuo de poder, que é aproveitado por grupos jihadistas, como a Frente al-Nusra,braço da Al Qaeda na Síria,e o "Estado Islâmico" (EI). Regularmente, o EI chama atenção com seus atos de barbaridade, tendo recentemente divulgado um vídeo mostrando o assassinato de 30 cristãos etíopes, que estavam na Líbia como trabalhadores temporários.
Nova Constituição
Desde meados do ano passado, uma comissão constituinte trabalha de forma paralela e complementar às negociações de paz. Ao longo dos próximos quatro meses, ela deverá apresentar os resultados de seu trabalho. No entanto, de acordo com o presidente da comissão, o economista Ali Tarhouni, muitas questões ainda estão em aberto. Segundo Tarhouni, a maior parte dos membros do comitê é contra um Estado centralizado, mas ainda não está claro como deverá ser a formação de um sistema federalista.
Também ainda não estão decididas questões relativas à eleição direita ou indireta do chefe de Estado, por exemplo, assim como até que ponto a sharia (lei islâmica) servirá de base para a legislação líbia, diz o economista.
"Elaborar uma Constituição em meio a uma guerra e num país divido é algo muito, muito difícil", declarou Tarhouni em coletiva de imprensa. "Cada ponto de vista, cada região é levada em conta." E isso obviamente atrasa os trabalhos, diz. "Mas ainda estamos intactos, ainda estamos coesos."
Não somente na Constituição, mas também nas negociações de paz, é preciso conciliar e levar em conta as posições e os interesses de todas as partes envolvidas. "Ainda vai demorar muito para que a crise líbia seja definitivamente resolvida", escreveu o jornal pan-árabe Al araby al-jadeed.