Tráfico humano é negócio lucrativo na Bulgária
21 de novembro de 2015A viagem tem início em Istambul e continua ao longo da trilha usada por atravessadores, passando por Plovdiv e Sófia, até a fronteira com a Sérvia no noroeste da Bulgária. Segundo autoridades búlgaras citadas pelo Wall Street Journal, diariamente cerca de 500 pessoas são traficadas pela fronteira. E muitas vezes são os próprios búlgaros a levá-las até lá.
O Ministério do Interior em Sófia confirmou à Deutsche Welle que pelo menos 250 cidadãos do país estão envolvidos com o tráfico ilegal de migrantes da Turquia para a Sérvia, via Bulgária. Por seus "serviços", os atravessadores cobram 3 mil dólares por pessoa.
O ex-chefe da polícia de fronteira da Bulgária, o general aposentado Valeri Grigorov, revelou à DW que essa rota de tráfico humano não é nova, sendo controlada há décadas por bandos criminosos organizados. "Os chefes dos traficantes têm bons contatos não só com as autoridades locais de fronteira, mas também com representantes governamentais do alto escalão em Sófia."
O coronel Gerald Tatzgern, diretor da central de combate ao tráfico humano no Departamento Federal de Investigações da Áustria, explicou ao Wall Street Journal que, até poucos anos atrás, as rotas dos atravessadores na Bulgária eram controladas pelos traficantes de mulheres. "Acreditamos que atualmente as pessoas no noroeste da Bulgária se adaptaram ao novo comércio: o contrabando de migrantes."
Razões de pobreza
Um dos suspeitos presos em conexão com a descoberta de um caminhão com 71 migrantes mortos na Áustria, no fim de agosto, vinha do noroeste da Bulgária. Em entrevista, sua mãe contou: "Muita gente da região tem feito bons negócios com o tráfico de refugiados. E não é de espantar: os búlgaros são pobres."
Baseado em seus anos de experiência com a rota de traficantes no noroeste da Bulgária, Grigorov confirmou essa justificativa. "O negócio do contrabando é a principal fonte de renda nas regiões pobres e despovoadas perto da fronteira. Todos participam: tanto a população local como as autoridades de fronteira."
De acordo com Grigorov, diversos prefeitos da região advertiram explicitamente os caçadores locais de que "há muitos refugiados nos arbustos" e que eles deveriam ter cuidado especial durante as atividades de caça. Os traficantes simplesmente largam as pessoas perto da fronteira e apontam na direção da Sérvia.
Krassimir Kanev, diretor da ONG de direitos humanos Comitê de Helsinque Búlgaro (BHC), concorda: "Sim, é assim que funciona. Há muito contrabando por aqui. E muitos dos traficantes são parentes, vizinhos ou amigos dos policiais de fronteira. É uma coisa organizada, e os guardas de fronteira estão envolvidos."
"Agente de fuga" ou "traficante humano"?
É grande o número de criminosos atuando nesse ramo, desde grupos internacionais perfeitamente organizados a contrabandistas individuais, equipados somente com uma van e um celular, declarou à DW o vice-ministro do Interior búlgaro, Filip Gunev.
"Serviços ilegais em todos os segmentos da cadeia do tráfico são oferecidos na Bulgária por criminosos, nos níveis mais diversos. No entanto, aquele que controla o dinheiro também controla todo o negócio."
Segundo Mathias Fiedler, ativista alemão de direitos humanos da organização Bordermonitoring, a culpa pelo negócio de tráfico é de quem deixou de regulamentar a migração ilegal, em vez de erguer cercas e controles de fronteira.
Fiedler aponta que os "agentes de fuga" – que ajudavam a transportar clandestinamente cidadãos da ex-Alemanha Oriental para o Ocidente, durante a Guerra Fria – são tratados hoje como heróis, enquanto os que trazem refugiados da guerra civil da Síria para a Europa são estigmatizados como "traficantes de pessoas".
Agitação contra refugiados
A maioria dos búlgaros é estritamente contra acolher refugiados e migrantes no país. A emissora alemã Deutschlandfunk citou as palavras de ordem dos manifestantes xenófobos locais: "A Bulgária está sendo atacada. É um ataque por grupos ilegais, que cruzam sem entraves a nossa fronteira. Seu objetivo é substituir a população europeia por residentes islâmicos."
O jornalista alemão Tom Schimmeck relata que em muitos desses eventos xenófobos costuma-se falar do suposto declínio da civilização ocidental e de uma invasão pelo Talibã. A Igreja Ortodoxa pediu ao governo para conter a "invasão" muçulmana.
Muitos dos refugiados que escolheram a perigosa rota através da Bulgária relatam ter sofrido hostilidades e abusos. Numa reportagem da TV alemã, o migrante Khamran Han contou: "Houve situações perigosas, especialmente na Bulgária. Atravessamos o país a pé já durante cinco dias, principalmente à noite, passando por florestas, com medo de sermos presos. O grupo era muito maior no começo. Perdemos muitos na Bulgária; eles se perderam na escuridão. Onde estão ou se ainda estão vivos, nós não sabemos."
Em entrevista ao diário Die Welt, o juiz alemão Malte Sievers citou um migrante sírio, que, durante seu processo de asilo, declarou: "Eu prefiro ser um cachorro na Alemanha do que um ser humano na Bulgária."