Sorteio como método de ingresso no ensino superior. Parece uma ideia doida, né? Mas é o que defende um acadêmico americano.
Tive contato com essa teoria em uma aula do mestrado há algumas semanas e confesso que a princípio achei a ideia injusta. Se eu, um indivíduo sem sorte alguma em sorteios, tivesse precisado de um para ingressar em uma universidade, é muito provável que nunca teria ingressado.
Brincadeiras à parte, confesso que ainda não defendo a ideia, mas a professora explicou as motivações e para mim fez bastante sentido. A premissa é que muitas pessoas ingressam na universidade sem verdadeiramente desejar ingressar ou apenas pelo fator titulação. Ou seja, o poder que um diploma tem no mercado de trabalho. Paralelamente, há outros meios de obter uma formação, como um curso técnico, por exemplo, que são tidos como inferiores. Portanto, estamos diante de um cenário em que o ingresso é enviesado e o sorteio diminuiria esse viés.
Escrevo esta coluna, pois acredito que vale a provocação para o Brasil.
Contexto desigual no acesso ao ensino superior no Brasil
É importante destacar que o processo de ingresso no ensino superior brasileiro, sobretudo no público, ainda é bastante desigual.
Algumas universidades públicas de ponta se orgulham dos resultados de suas políticas de inclusão, em que o corpo discente já é composto majoritariamente por jovens oriundos da rede pública, mas ainda não estamos num cenário de equidade. A razão é que no Brasil há, pelo menos, oito vezes mais jovens cursando o ensino médio público do que o privado. Assim, enquanto essa amostra não estiver nas universidades, avanços ainda precisam acontecer.
Paralelo a isso, é sabido que há discrepâncias relevantes entre as redes pública e privada de educação básica. Sendo a última notoriamente conhecida por preparar os jovens quase que exclusivamente para ingressar em uma universidade, sobretudo uma pública.
Por fim, questões estruturais e socioeconômicas tornam a jornada rumo ao ensino superior de um jovem da rede pública muito mais desafiadora do que para um jovem da rede privada.
Todo mundo precisa fazer faculdade?
Achei importante expor o contexto acima, pois me lembro de uma coluna que publiquei uma vez em que uma parte dela citava que nem todo jovem precisa cursar a universidade e alguns comentários me xingavam de capitalista, me acusavam de viver numa bolha ou de "passar pano” para as desigualdades.
Eu mesmo sou de um bairro da periferia, o primeiro da família que ingressou numa universidade e trabalho com educação social, auxiliando jovens da rede pública a ingressarem no ensino superior, há 8 anos.
É muito importante, para que discussões maduras e construtivas sejam possíveis, que sejamos capazes de analisar as situações de forma racional. Não é tudo 8 ou 80.
Há sim um sistema desigual no acesso ao ensino superior, mas fica a pergunta: todo jovem precisa entrar na universidade? Todo jovem verdadeiramente deseja ingressar na universidade? Vou além: todo jovem tem o perfil necessário para cursar uma graduação?
Viés no processo de escolha versus pressão social
Para mim, a resposta é não. No entanto, há um viés no processo de escolha pautado em dois fatores.
O primeiro é a própria falta de informação. Infelizmente, é comum que jovens não conheçam muito bem as opções pós ensino médio. É tudo muito nebuloso e quando pensam sobre o ensino superior, no geral, pensam nos cursos mais famosos, como direito, medicina, psicologia ou engenharia. Muitas vezes, não é que queiram necessariamente se especializar nessas profissões, mas acabam sendo as únicas que conhecem e a associação que fazem do ensino superior.
Paralelo a isso, ainda há uma grande pressão social que se pauta em fazer uma perfeita associação entre cursar uma universidade e se dar bem profissionalmente. Não que isso não tenha alguma verdade, afinal, ainda há uma relação positiva entre escolaridade e salário. O problema é que há uma pressão no sentido de fazer o jovem se sentir mal caso não deseje ingressar em uma universidade e acreditar que, assim, não tem qualquer chance de futuro.
Essa falta de informação, alinhada à pressão social, faz com que muitos ingressem em um curso que não seja para eles ou, até mesmo, ingressem sem que a universidade em si faça parte de uma estratégia racional calculada de futuro.
E o curso técnico?
O que eu quis dizer quando falei sobre o fato de que nem todos têm o perfil da universidade? Não me refiro sobre perfil no sentido de renda ou de pertencimento social, no sentido de elitismo, mas sim a perfil no sentido de o próprio modelo de formação fazer ou não sentido. É fato: a universidade tem um perfil bastante acadêmico que simplesmente não dá match com alguns perfis de pessoas e isso não deveria ser um problema. Ela deve sim ser acessível para todos que desejem ingressar, mas não é para todos os perfis.
Será que para alguns o curso técnico não faria mais sentido? Aposto que alguns de vocês, leitores, estão lendo agora e me julgando, acreditando que estou diminuindo a capacidade de alguém. Eu também, até não muito tempo atrás, acharia o mesmo. A razão é que essa sensação parte de um preconceito que temos em relação ao curso técnico, como se ele fosse uma opção pior do que a universidade e apenas para quem não passou em uma e isso não é verdade.
Na Alemanha, por exemplo, cursos técnicos são muito valorizados socialmente e também no mercado de trabalho.
Ainda sou contra a ideia do sorteio, mas entendo que há sim uma problemática. Talvez uma alternativa seja munir os jovens de informação, para diminuir o viés em seus processos de escolha e tornar eles capazes de fazer essas decisões de formas racionais e respeitando os próprios perfis e personalidades.
Alinhado a isso, é inegável que no Brasil os técnicos ainda são subestimados. Isso desestimula também e congestiona as universidades. Aqui há margem para políticas de conscientização e de expansão de cargos técnicos com remunerações iguais ou similares daquelas de profissionais graduados em uma universidade.