Terroristas: vilões na história, heróis na arte?
31 de janeiro de 2005Com um ano de atraso, foi inaugurada em Berlim, neste fim de semana, a polêmica exposição Sobre a representação do terrorismo: a RAF. Até meados de maio, a galeria Kunst-Werke mostra mais de 100 trabalhos de 50 artistas que lidaram nos últimos 30 anos com o fenômeno da RAF, Fração do Exército Vermelho, o grupo terrorista de extrema esquerda ativo na Alemanha entre o início dos anos 70 e a década de 90.
Durante o processo de concepção da mostra, em 2003, a galeria foi acusada por muitas pessoas de tentar transformar assassinos em ícones pop e minimizar a gravidade do terrorismo. Após um controverso debate, o projeto foi adiado um ano. Mas as críticas de identificação com o movimento terrorista não cessaram nem após a galeria ter modificado completamente a concepção da mostra.
A exposição é contextualizada por uma "linha do tempo midiática" que documenta o desenvolvimento da organização terrorista com base em 29 dados associados à história do terrorismo da RAF. Entre os artistas incluídos pela curadoria, estão Gerhard Richter, Joseph Beuys, Martin Kippenberg, Sigmar Polke, Katharina Sieverding, Klaus Staeck, Michaela Meise, Jörg Immendorff, além de muitos outros. A escolha cobre três gerações de artistas.
O "excepcional" e o normal
Há mais de 15 anos, Gerhard Richter fez um ciclo de pinturas intitulado 18 de outubro de 1977, no qual mostra imagens patéticas da vida dos terroristas: um retrato de juventude de Ulrike Meinhof, uma imagem dos mortos, a prisão de Holger Meins, três imagens de Gudrun Ensslin, a cela de Andreas Baader em Stammheim, a imagem de seu toca-disco, o enterro, tudo pintado com base em fotos dos arquivos policiais. Quando um entrevistador perguntou a Richter se ele também teria cogitado "pintar as vítimas dos terroristas, como por exemplo o empresário Hanns-Martin Schleyer", ele respondeu: "Não, nunca. Este é um crime normal, uma tragédia normal que acontece todos os dias. O que eu escolhi para pintar foi uma tragédia excepcional".
Na época, quando o Museu de Arte Moderna de Frankfurt estava para expor o ciclo de Richter, os patrocinadores da exposição retiraram seu apoio em solidariedade às vítimas dos atentados da RAF. Algo semelhante voltou a acontecer há mais de um ano, quando a galeria Kunst-Werke, sob pressão de um amplo debate público, retirou o pedido de subsídio público à exposição, argumentando que a polêmica teria gerado a expectativa de que a exposição viesse a documentar a verdade histórica sobre a RAF, uma imagem conclusiva de um capítulo da história alemã que não foi encerrado nem através do trabalho histórico, jornalístico e sociológico. A galeria conseguiu financiar a exposição com patrocínio privado.
Heróis ou vilões?
A inauguração da exposição neste fim de semana colocou fim num longo suspense. E a crítica parece assegurar que a mostra não é politicamente incorreta. Muito embora os artistas se dediquem com maior paixão aos terroristas do que às vítimas, opina o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, os terroristas não chegam a ser glorificados em função da diversidade das posições artísticas.
O diário Frankfurter Rundschau também confirma que se trata de uma exposição de arte, sem pretensões documentais. De mais a mais, nenhuma das obras expostas, independentemente do ponto de vista, poderia causar indignação, sobretudo porque se trata de arte de qualidade.
O Süddeutsche Zeitung também destaca que a mostra se abstém de insinuar qualquer verdade histórica sobre a RAF, deixando ao espectador o direito de formar sua própria opinião.
Apesar de a imprensa ter considerado a exposição inofensiva, políticos conservadores se mostraram indignados com a mostra. O democrata-cristão Friedbert Pflüger reiterou a acusação feita no início de todo o debate: "Há o perigo de alguns trabalhos glorificarem os assassinos fascistas de esquerda e igualarem o luto em relação à morte das vítimas e dos terroristas".
Para a crítica de arte, o polêmico processo de concepção desta exposição, em meio a um amplo e inflamado debate público, levanta outras questões: como impedir que a iconização da arte leve a uma glorificação automática do que é representado? Como tentar controlar o impacto das imagens através de um contexto pretensamente factual ou documental? Questões que com certeza não se restringem à representação do terrorismo.