Terremoto põe à prova capacidade do Talibã de governar
23 de junho de 2022"Cerca de 24 foram mortos só na nossa área. Todas as nossas casas foram destruídas, nossos mantimentos estão enterrados sob os destroços. Precisamos de comida e abrigo urgentemente", relatou à DW Kowsar, morador do município de Gyan, na província afegã de Paktika. "Nosso distrito foi devastado pelo tremor, e a mortalidade é alta demais. Estão cavando valas comuns e enterrando os corpos nelas."
Depois de ser despertado por fortes solavancos, "quando saí do meu quarto, todo mundo estava coberto de poeira; conseguimos retirar a minha mãe, meus irmãos e irmãs mais novos, mas não pudemos salvar o meu pai". Doze membros da família de seu tio também morreram e outros oito ficaram feridos.
Kowsar é um dos milhares de cidadãos cujas vidas foram devastadas pelo terremoto de magnitude 6 que atingiu diversas províncias do Afeganistão nesta quarta-feira (22/06). Hibatullah Akhundzada, líder supremo do Talibã e do país, advertiu que o saldo mortal, atualmente superior a mil, poderá aumentar.
Segundo a mídia estatal, há cerca de 1.500 feridos, e milhares de estruturas foram arrasadas. "Ainda há gente presa debaixo dos escombros", acrescentou Amin Huzaifa, chefe do Departamento de Informação e Cultura do Talibã em Paktika.
Entidades ocidentais oferecem assistência
Equipes de resgate estão a caminho das áreas atingidas, mas muitas são inacessíveis por via rodoviária, e o terreno montanhoso árduo dificulta os esforços. Voluntários estão trabalhando sem parar para tentar retirar mais sobreviventes dos escombros.
O país não dispõe de um mecanismo de gestão de desastres, e a prestação de assistência ficou ainda mais problemática com a partida das organizações humanitárias internacionais, após a tomada do poder pelos fundamentalistas islâmicos talibãs, em agosto de 2021.
Anas Haqqani, um dos líderes do país, anunciou no Twitter que o governo "está operando dentro de suas capacidades". Segundo Mohammad Ismail Muawiyah, porta-voz do supremo comandante militar de Paktika, não é possível contactar a área afetada pois as redes telefônicas estão muito fracas.
Por sua vez, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, anunciou que sua organização está "totalmente mobilizada" para ajudar com equipes sanitárias e suprimentos. Oito caminhões com alimentos e outros artigos de primeira necessidade chegaram do Paquistão a Paktika, relatou um porta-voz talibã.
Em comunicado, a Casa Branca declarou que o presidente Joe Biden está monitorando os acontecimentos e ordenou à Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional (Usaid) e outros parceiros do governo federal para "avaliarem as opções de reação americana, a fim de ajudar os mais atingidos". A União Europeia igualmente ofereceu assistência.
Problema de falta de confiança
Segundo Ahmad Tamim Azimi, que foi porta-voz do Ministério de Gestão de Desastres do governo afegão anterior, gerenciar catástrofes não é uma prioridade do Talibã. A instabilidade política e econômica, aliada à partida dos funcionários treinados e instruídos, teria minado ainda mais as capacidades do país.
"Se você coloca clérigos religiosos a cargo de departamentos técnicos, como pode querer gerir a crise? Ela só vai precipitar o Afeganistão ainda mais no caos", afirmou Azimi à DW.
Para o especialista em economia Janat Fahim Chakari, por outro lado, a questão da legitimidade dos talibãs não deve ser um obstáculo à assistência humanitária: "Se o terremoto tivesse atingido o país durante o mandato do presidente anterior, Ashraf Ghani, a comunidade internacional não teria qualquer problema em fornecer ajuda. A assistência humanitária, em minha opinião, não deve ser politizada."
O abalo sísmico só exacerbará os problemas dos afegãos comuns, que já sofrem fome e pobreza. Milhões estão atualmente desempregados, suas contas bancárias estão congeladas, muitos vendem seus bens para comprar comida, e pela primeira vez comunidades urbanas enfrentam níveis de insegurança alimentar comparáveis aos das áreas rurais.
O Unicef relata que milhões de crianças afegãs continuam necessitando serviços essenciais, incluindo cuidados de saúde primários, vacinas contra poliomielite e sarampo, nutrição, educação, proteção, abrigo, água e saneamento.
Em janeiro, a ONU fez seu "maior apelo de todos os tempos" por assistência humanitária para um único país, afirmando necessitar 4,4 bilhões de dólares para que no Afeganistão a "crise humanitária que cresce mais rapidamente no mundo" não deteriore ainda mais.
Contudo a comunidade internacional reluta em entregar as verbas diretamente ao Talibã, por temor de que sejam empregadas na compra de armas. Pelo mesmo motivo, Washington se recusou a liberar as reservas bancárias do país.
"O povo poderá ser usado pelos terroristas"
O terremoto desta quarta-feira expôs ainda mais a falta de confiança entre os dirigentes fundamentalistas afegãos e o Ocidente. Os islamistas têm buscado desesperadamente legitimação para seu governo, por diversas vezes instando a comunidade internacional a reconhecer sua autoridade. Mas agora eles veem uma oportunidade na crise.
Bilal Karimi, um dos porta-vozes do grupo, informou à DW que os órgãos governamentais relevantes receberam ordens de ajudar os cidadãos atingidos, fornecendo-lhes alimentos e outros itens essenciais.
"Não há obstáculo para nenhuma organização, e o Talibã também é capaz de lidar com a situação", assegurou. "O Emirado Islâmico do Afeganistão recorreu às organizações internacionais de assistência para ajudar nestes tempos difíceis. Alguns países já enviaram ajuda, que está sendo distribuída através do governo."
No entanto, o ex-alto funcionário Ahmad Tamim Azimi está cético: "Eles ainda estão buscando reconhecimento internacional. O país precisa de coordenação e colaboração em diferentes níveis do Estado, mas o Talibã não possui legitimidade para fazer isso. Assim, o Afeganistão encontrará dificuldades para gerir a situação."
O ex-porta-voz alerta que se a questão não for tratada urgentemente, as consequências para o país poderão ser catastróficas, pois "vão afetar o povo, que poderá ser usado pelas organizações terroristas".