Síria terá eleição de cartas marcadas
24 de abril de 2014Cerca de 150 mil mortos, 6 milhões de refugiados internos e mais 2,6 milhões de pessoas que fugiram do país. Passados mais de três anos, esse é o triste saldo da guerra civil na Síria. Grande parte do país está em ruínas, a violência reina, as pessoas estão traumatizadas.
Apesar dessa situação catastrófica, o porta-voz do Parlamento, Mohammad Jihad al-Laham, anunciou nesta segunda-feira (21/04) a realização de uma eleição presidencial no próximo dia 3 de junho. "Conclamo todos os cidadãos da República Árabe da Síria a fazer uso do seu direito de voto. Peço a todos que quiserem se candidatar ao cargo de presidente sírio que se inscrevam até 1° de maio."
Depois do anúncio, não faltaram críticas. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o encarregado da ONU e da Liga Árabe para a Síria, Lakhdar Brahimi, apelaram ao regime para rever o plano, que poderá fechar o último caminho para uma solução diplomática.
Para o deputado do Partido Verde alemão Omid Nouripour, a eleição enterra a chance de se formar um governo de transição. A oposição exige a renúncia de Assad e a formação de um governo interino. O Departamento de Estado dos EUA chamou a eleição de "paródia de democracia".
Oposição no exílio está fora
Uma nova candidatura do presidente Bashar al-Assad é dada como certa, mesmo que ela ainda não tenha sido confirmada. Não há dúvidas de que ele será o vencedor da eleição, porque o Parlamento lançou as bases para a sua reeleição já em meados de março, ao aprovar uma lei eleitoral que exclui a oposição no exílio.
Segundo a legislação, os candidatos devem ter vivido na Síria nos últimos dez anos. Devido à repressão estatal, no entanto, muitos oposicionistas tiveram de deixar o país já há muito tempo. Este será o terceiro mandato de Assad. Em 2000, ele subiu ao poder após a morte do pai, Hafez al-Assad.
A oposição síria afirma que a eleição não pode ser levada a sério e questiona qual "ator" Assad colocará no papel de adversário, como comenta Monzer Akbik, representante da Coalizão Nacional Síria da Oposição e das Forças Revolucionárias. "Assad não tem nenhuma legitimidade para governar o país, e ele também não vai tê-la após esta encenação de eleição."
Eleição em meio à guerra
Ainda não se sabe como será a realização de uma eleição num país devastado pela guerra ou como os 6 milhões de refugiados internos poderão votar. De acordo com Al-Laham, os sírios que vivem no exterior poderão votar nas embaixadas no dia 28 de maio. Em alguns países, no entanto, embaixadas sírias foram fechadas devido à guerra. Assim, nem todos os sírios poderão votar.
No próprio país, especula-se que a eleição será realizada somente nos bastiões do governo. "Assad quer ser reeleito pela população que vive em suas áreas de domínio", comenta o especialista Volker Perthes, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP).
Segundo ele, o eixo estratégico rumo à costa do país é particularmente importante para Assad. Embora o território sírio esteja dividido, o presidente controla as cidades mais populosas na linha entre Damasco e a costa, incluindo algumas partes de Aleppo.
Iniciativa deve vir de fora
No Twitter já circulam as primeiras imagens de cartazes eleitorais, nas quais Assad aparece sob o slogan "De mãos dadas para a reconstrução da Síria". Mas a oposição também se expressa. Através da hashtag #AssadCampaignSlogan, usuários dão voz à sua indignação e promovem slogans eleitorais irônicos. "Porque a liberdade é algo superestimado", escreveu um usuário. "Vote em mim ou eu te mato", registrou outro.
Para Perthes, "quem realiza uma eleição agora divide ainda mais o país e não tenta uni-lo." Segundo o especialista do SWP, a eleição é um sinal para a oposição de que nada vai mudar e de que Assad não vai abdicar de seu posto. "Também é um sinal às Nações Unidas de que Assad e seu regime não estão dispostos a aceitar um processo de transição sério."
Para ele, nenhuma das partes pode ganhar a guerra – o país só poderá ser unido através da partilha de poder. Mas essa iniciativa jamais virá do regime, comenta Perthes. "A diplomacia só vai funcionar quando houver um entendimento entre a Arábia Saudita, que apoia a oposição, e o Irã, que ampara o governo em Damasco", avalia o especialista em Oriente Médio.