Subsídios agrícolas
25 de dezembro de 2011Aos poucos, eles foram sumindo das prateleiras dos supermercados. Antes tidos como ingredientes refinados, o estômago, o fígado e o coração de galinha foram caindo bem para o fundo do freezer, isso quando ainda são oferecidos.
Na altura dos olhos estão hoje os peitos de frango em bandejas de isopor. Há cerca de 20 anos, 70% dos frangos comercializados na Alemanha eram vendidos inteiros. Hoje, os alemães compram 80% de seus frangos em pedaços, e o peito é a parte preferida.
Enquanto na Alemanha os miúdos, as asas, o pescoço e o pé da galinha desapareciam das prateleiras, eles ressurgiam com cada vez mais frequência na África Ocidental e Central, na forma de carne congelada barata. Por exemplo, em Gana.
Desde 1995, as exportações de aves da União Europeia (UE) para Gana passaram de alguns milhares de toneladas para 40 mil toneladas em 2010. Isso representa 40% do mercado total de carne de frango em Gana. A parcela restante é dividida entre Estados Unidos e Brasil.
Colapso da produção local
A carne congelada da UE pode ser encontrada por 60 ou 70 centavos de euro por quilo, enquanto os avicultores de Gana têm que cobrar entre 3 e 4 euros por quilo para conseguirem um mínimo de lucro.
Apenas em regiões rurais remotas de Gana, onde o frango importado não chega, tudo permaneceu como antes. Lá, o cliente compra o frango vivo e o mata ele próprio. Nas cidades, a produção local entrou em colapso completo. "Até 95% da carne vêm do exterior", diz Stig Tanzmann, do Serviço da Igreja Evangélica da Alemanha para o Desenvolvimento (EED).
Essa situação foi responsável, segundo os cálculos do especialista, pela eliminação de 100 mil postos de trabalho no país. Não só os pequenos avicultores não têm mais renda. As importações da UE também arruinaram o negócio de muitos fabricantes de ração para animais e daquelas pessoas que abatiam, depenavam e limpavam frangos para os fregueses.
A agricultura representa cerca de 70% da economia de Gana. O fim da avicultura local pode também representar um retrocesso na luta contra a fome no país, que vinha apresentando sucesso.
Coquetel de subsídios prejudiciais
Os culpados parecem ter sido rapidamente identificados: os consumidores dos países desenvolvidos, que saciam seu desejo por peito de frango sem o menor interesse em saber o que acontece com as outras partes da ave.
Mas essa é apenas uma parte do problema, considera Tanzmann. "Tudo isso tem a ver com nosso comportamento como consumidores, sim, mas também tem a ver com a orientação da nossa política agrícola", afirma.
A União Europeia subsidia a construção de modernos aviários, nos quais o processo de criação de frangos é acelerado artificialmente. De acordo com cálculos da Aliança para Meio Ambiente e Proteção à Natureza da Alemanha (Bund), a UE pagou em 2008 e 2009 cerca de 60 milhões de euros, só na Alemanha, para criadouros de aves. Além dos financiamentos em milhões de euros de grandes matadouros.
Embora a liberação de subsídios pela UE não se baseie mais no volume de produção, mas no tamanho da área cultivada, e apesar de eles serem pagos independentemente da quantidade produzida, essas subvenções influenciam a quantidade da oferta e, portanto, o preço, conforme argumenta Marita Wiggerthale, especialista em alimentação internacional da ONG Oxfam.
Um estudo da Bund detectou que cerca de 650 mil hectares de terras cultiváveis na Alemanha são usados para produzir ração para frangos de engorda. A UE paga, para essas áreas, 220 milhões de euros por ano. "Sem o subsídio para essas áreas, a produção de ração seria mais cara", conclui o estudo.
Ração barata, por sua vez, reduz o custo da produção de carne de frango e ameaça a subsistência dos avicultores em países como Gana, onde não se paga subsídios.
Fomento à agricultura nos países pobres
Mas nem todos veem os subsídios dos países ricos como os culpados pela situação. "A política agrícola da UE já não é mais o problema para o aumento da fome no mundo", afirma o economista especializado em agricultura Harald von Witzke, da Universidade Humboldt de Berlim. "A ajuda ao desenvolvimento e os próprios países afetados negligenciaram a agricultura", sustenta.
Ele está convencido de que os agricultores nos países em desenvolvimento deveriam ser muito mais produtivos. "Eles são capazes, mas precisam de sementes de maior rendimento, de fertilizantes e defensivos agrícolas eficientes."
Assim, metade das perdas nas colheitas poderia ser evitada. Segundo ele, nos países pobres, a safra é 40% menor devido a doenças das plantas e pragas. Além disso, de 20% a 40% da colheita costumam ser perdidos porque as capacidades de transporte, armazenamento e processamento não são suficientes.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) também aponta para esta relação. A África subsaariana, onde sementes modernas são menos utilizadas e o acesso a defensivos agrícolas e a fertilizantes minerais é particularmente ruim, apresenta a maior taxa mundial de subnutrição, com 35%.
Mas, para que possam investir na agricultura, os países pobres precisam primeiro se proteger da concorrência barata do exterior, argumenta Tanzmann. E frequentemente eles não têm força política para isso, afirma, citando o exemplo de Gana.
Quando o país africano falou em aumentar suas tarifas de importação para a carne de aves, o Banco Mundial e o FMI ameaçaram com um congelamento de crédito. O governo de Gana, então, recuou. Sem ajuda internacional, o orçamento do país teria entrado em colapso.
A UE, por outro lado, protege seu mercado avícola através de tarifas de importação, mantendo os preços artificialmente elevados. Assim, a indústria avícola europeia pode cobrar um preço pelo peito de frango que, indiretamente, acaba subvencionando as partes da ave que são exportadas para os países pobres, afirma Tanzmann.
Autora: Jutta Wasserrab (md)
Revisão: Carlos Albuquerque / Alexandre Schossler