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HistóriaAlemanha

Sobrevivente do Holocausto, Margot Friedländer faz 100 anos

5 de novembro de 2021

A alemã passou meses em esconderijos fugindo dos nazistas e sobreviveu a um ano num campo de concentração. Hoje, de volta a Berlim, é reconhecida por promover um trabalho de lembrança e educação sobre o Holocausto.

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Margot Friedländer, sentada ao lado de seu retrato
Margot Friedländer completa um século de vida nesta sexta-feiraFoto: Fabian Sommer/dpa/picture alliance

Margot Friedländer diz que viveu quatro vidas diferentes em seus 100 anos. Mas foi o momento entre a primeira e a segunda vida que a marcou para sempre. Esse foi o período em que a sua juventude – até então feliz – em Berlim se transformou em 15 meses de fuga dos nazistas em esconderijos e, depois, em um ano de sobrevivência no campo de concentração de Theresienstadt, na República Tcheca.

Relatada em suas memórias lançadas em 2008, a cena que mudou sua vida ocorreu em 20 de janeiro de 1943 no apartamento de um casal que ela mal conhecia, no bairro de Kreuzberg, na capital alemã.

A mulher avisou a jovem de 21 anos, então chamada Margot Bendheim, que sua mãe havia partido para se reportar às autoridades e, assim, juntar-se ao filho Ralph, irmão de Margot, que havia sido preso naquela tarde pela Gestapo. Em seguida, a conhecida entregou a Margot uma bagagem que pertencia à mãe contendo suas últimas conexões com a família: um livro de endereços e um colar com uma pedra âmbar, além de uma mensagem repassada verbalmente: "Tente viver sua vida".

"Essas palavras moldaram a minha vida", disse Friedländer à DW nesta semana, em um dos eventos que ocorrem em Berlim para celebrar seu centésimo aniversário, completado nesta sexta-feira (05/11) – dia em que foi aberta ainda uma exposição com retratos dela. "Eu sinto que alcancei algo não apenas para a minha mãe, não apenas por seis milhões de judeus, mas sim por milhões de pessoas que foram mortas porque não quiseram fazer aquilo que outros mandavam", afirmou.

Margot Friedländer sentada ao lado de Thomas Halaczinsky
Friedländer com Thomas Halaczinsky, que fez três filmes sobre o mais recente período dela em BerlimFoto: Benjamin Knight/DW

Resistências

Apesar de não saber de nada até algumas décadas depois dos acontecimentos, Friedländer descobriu que a mãe e o irmão foram mortos no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, semanas após terem sido presos. O pai, que havia fugido para a Bélgica alguns anos antes, também já havia morrido.

Sessenta e cinco anos depois, a mensagem final deixada às pressas pela mãe tornou-se o título de seu livro de memórias, que deu início a um trabalho de educação e recordação que tem tomado forma na última década em Berlim, cidade para onde ela voltou definitivamente em 2010, aos 88 anos.

Não foi uma decisão fácil, e muitos tentaram dissuadi-la. Outros sobreviventes do Holocausto que ela conheceu em Nova York, incluindo seu primo Jean, opuseram-se a suas visitas à Alemanha. Seu próprio marido, Adolf Friedländer, morto em 1997, também sobrevivente do Holocausto e que ela conhecera em Theresienstadt, sempre rejeitou veementemente os convites que chegavam do governo de Berlim ao longo dos anos.

"Sempre me perguntei se voltar [a Berlim] era o certo a fazer", relembra Margot Friedländer no documentário A long way home (Longo caminho para casa), coproduzido pela DW em 2010. No filme, ela admitiu sentir certo desconforto em meio a alguns berlinenses. "Ainda sou muito cautelosa com pessoas da minha geração que conheço aqui. Foram elas que aplaudiram os nazistas naquela época, e não fizeram nada para pará-los. Todo mundo sabia o que estava acontecendo, mas fingia que não via. Embora eu tenha voltado, ainda é algo que me afeta muito profundamente", conta.

Friedländer autografa seu livro de memórias
Friedländer autografa seu livro de memórias, intitulado "Tente viver sua vida" (tradução livre), frase dita pela mãe antes de partirFoto: DW/A.-M. Pędziwol

Pelas próximas gerações

A dúvida sobre voltar ou não para Berlim foi respondida com o trabalho realizado por ela após completar 87 anos, quando suas memórias foram publicadas, e ela passou a fazer leituras pela Alemanha, especialmente nas escolas. "Eles me ouvem atentamente", diz ela sobre os alunos. "Recebi, talvez, mil cartas. E digo a eles: o que aconteceu não pode ser alterado, mas isso é por vocês. Isso se tornou minha missão."

A jornada de Friedländer em Berlim foi registrada em uma trilogia de documentários feitos por Thomas Halaczinsky, um cineasta alemão que vive em Nova York. O primeiro deles, Don't call it Heimweh (Não chame isso de saudade, em tradução livre), tornou-se o motivo da sua primeira visita a Berlim desde o Holocausto, em 2003.

Halaczinsky disse que, quando a conheceu, no início dos anos 2000, estava interessado na crise que Friedländer vivenciou. "Eu estava vendo como os efeitos da história alemã, do fascismo, da opressão, do Holocausto, na verdade continuam a existir na vida de pessoas como Margot, que estavam lutando para chegar a um acordo com suas próprias vidas e sua própria identidade", disse o diretor e produtor à DW.

A situação específica de Friedländer continha um conflito peculiar: ao mesmo tempo em que ela havia passado 15 meses escondida em Berlim, sendo protegida por alemães não judeus, outros alemães estavam assassinando sua família. "Ela estava lutando exatamente contra isso, e estava tentando encontrar uma maneira de equilibrar isso. Como alguém naquela idade realmente encontra o ponto central de si mesma?", questiona Halaczinsky.

No segundo filme do cineasta, A long way home, a própria Friedländer responde à pergunta: "Como posso sentir saudades da Alemanha depois que os alemães mataram meus pais? A isso, eu teria que responder: é exatamente por isso que vim, ou seja, para conhecer os jovens que não tiveram nada a ver com isso", argumenta.

Margot Friedländer conversa com a política berlinense Franziska Giffey
Na terça-feira, Friedländer conversou com a provável futura prefeita de Berlim, Franziska GiffeyFoto: Benjamin Knight/DW

Um serviço para a Alemanha

Essas lutas internas parecem muito distantes 18 anos depois de seu primeiro retorno a Berlim, em 2003. Desde então, Friedländer foi agraciada com prêmios e homenagens estatais e com a cidadania honorária. Retratos dela foram pintados, bustos foram lançados, e sua história tem sido contada em exposições, filmes, livros e até em história em quadrinhos. A Fundação Schwarzkopf, criada para capacitar jovens a se engajarem na política, fundou, em 2014, um prêmio anual em sua homenagem, muitas vezes apresentado por Angela Merkel.

Na abertura da exposição, na última terça-feira, políticos fizeram fila para cumprimentá-la e elogiá-la. Entre eles, a provável futura prefeita de Berlim, Franziska Giffey (SPD, que obteve a maioria dos votos na mais recente eleição, em setembro). "Acho que ela é um modelo para todos nós. Ela se apresenta para crianças, jovens, pessoas de todas as idades. E esse ato de comemoração é muito importante para nossa educação política de hoje. Ouvir a voz dela, aos 100 anos de idade, é muito importante para todos que defendem uma sociedade livre e aberta", destacou Giffey.

O presidente da Fundação Schwarzkopf, André Schmitz, afirmou que Friedländer "estende a mão para a reconciliação". "Ela torna tudo mais fácil para nós, alemães: é encantadora, alegre, gosta de ser ouvida e não faz acusações contra nós, apenas diz: 'Cuidado, isso foi possível uma vez, e é sempre possível'. É um serviço inestimável", disse Schmitz, que fez amizade com Friedländer após recebê-la em Berlim como secretário de Cultura, em 2003.

O último dos três filmes de Halaczinsky, que documenta os anos mais recentes do trabalho de Friedländer, foi ao ar recentemente pela emissora pública alemã ARD. É intitulado Angekommen (Chegada, em tradução livre), e sua última cena pega Friedländer num momento contemplativo, incomumente incerto.

"Não tenho muitas presunções de que restará muito depois que eu morrer. Existem ótimas pessoas que fizeram muito. Mas minha contribuição é, no fim das contas, muito, muito pequena. Talvez a geração que me ouve agora nas escolas diga algo aos seus filhos. Não tenho ideia sobre até onde isso irá, já que tantas pessoas continuam dizendo que não querem mais falar sobre isso", refletiu.

Por mais pessimista que possa parecer, Halaczinsky vê o final do filme como um apelo à ação, já que, em breve, não poderemos contar com os sobreviventes do Holocausto para colher relatos em primeira mão dos horrores reais do fascismo. "Mesmo que o trabalho dela esteja sendo reconhecido, não é um trabalho que possa ser concluído. É um processo, ele continua. E as dúvidas dela são um aviso para todos nós", diz Halaczinsky.