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Sobrevivendo à "cura gay" na Alemanha

Kate Brady av
26 de julho de 2019

Estima-se que pelo menos mil homossexuais se submetam anualmente à "terapia de conversão sexual" no país, orientados por líderes religiosos ou terapeutas. Mas Berlim está a caminho de banir a prática em nível nacional.

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Jovem sem camisa deitado em sofá, rodeado por outros, cartaz dizendo "Therapy". Manifestação em Nova York, 2003, contra "terapia de conversão" para homossexuais
Terapias empregando eletrochoques e condicionamento de aversão são consideradas abusivas por muitos médicosFoto: Imago/UPI Photo

Desde criança, Mike F. sabia que era gay, mas, crescendo num meio cristão, era quase impossível aceitar sua sexualidade. "Acho que primeiro tomei consciência de que algo era diferente no jardim-de-infância. Mas, claro, eu não sabia o que isso queria dizer."

Durante anos ele relutou em compartilhar seus sentimentos em relação a outros garotos, optando por se esconder. Até que, aos 16 anos, teve seu primeiro encontro sexual com um homem: "Foi uma época boa da vida. Mas aí o conflito começou a crescer."

Morando em Bad Homburg, no sudoeste da Alemanha, Mike era membro ativo do clube cristão local, o que influenciava fortemente sua avaliação moral do mundo. "Eu me sentia em casa nos meios cristãos, onde se deixava bem claro: 'Deus não quer isso, você tem que levar  outra vida. Como vai poder se apresentar diante de Deus? Isso é pecado mortal.'"

Aos 21 anos, por vontade própria, começou a se submeter à assim chamada "terapia de conversão sexual", que visa efetivamente reprimir a sexualidade de seus pacientes, geralmente crianças ou adolescentes. Alguns métodos empregados, como terapia de eletrochoque e técnicas de condicionamento de aversão, são considerados abusivos por grande parte da classe médica.

"Eu estava convencido que se rezasse com bastante força e me empenhasse bem, as coisas iam mudar", conta Mike. Ao iniciar a "cura gay", ele se comprometeu a cortar todo contato com amigos e parceiros homossexuais e manteve a abstinência sexual durante uma década. Até que a solidão o levou à beira do suicídio.

"Cheguei a um ponto em que não podia mais continuar", revela. Porém o suicídio de um amigo íntimo e sua própria profunda fé cristã o detiveram: "Eu pensei que, se tivesse ido adiante, não ganharia a vida eterna. Hoje consigo rir dessa besteira, mas, na verdade, foi a razão que me impediu de dar fim à minha vida."

A história de Mike F. não é uma anomalia na sociedade alemã. Segundo a Fundação Magnus Hirschfeld, ocorrem pelo menos mil casos de "terapia de conversão" por ano, não só orientada por líderes religiosos, mas também por psicoterapeutas.

Ministro alemão da Saúde, Jens Spahn (dir.), e seu marido, Daniel Funke
Ministro alemão da Saúde, Jens Spahn (dir.), e seu marido, Daniel FunkeFoto: picture-alliance/dpa/T. Hase

No momento, os que a praticam na Alemanha não estão sujeitos a punição. Porém o ministro da Saúde, Jens Spahn, ele próprio casado com o editor Daniel Funke, está a caminho de tomar ação drástica para proibir a prática até o fim de 2019. "Homossexualidade não é uma doença e não requer tratamento", declarou no início do ano o político democrata-cristão.

Se a medida passar, a Alemanha será o quarto país do mundo e segundo da União Europeia a impor à "cura gay" uma proibição em âmbito nacional. Embora diversos Estados tenham regulamentações regionais e estaduais a respeito, apenas o Brasil, Equador e Malta a baniram integralmente.

Como muitos críticos, Mike teme que, apesar da interdição, o controvertido "tratamento" siga sendo praticado sob outra forma. Ainda assim, reconhece, é um passo na direção certa: "Acho importante, por exemplo, impor uma proibição para os jovens, excluindo a ação de médicos e terapeutas. Aí, esse absurdo vai acontecer bem menos."

Por hora, ele pode deixar o passado para trás e se concentrar nos preparativos finais para seu casamento, em agosto – algo inimaginável para ele 20 anos atrás.

"Não tenho amargor em relação a ninguém, nem aos meios cristãos, onde eu escutei e aprendi tudo, nem ao terapeuta. Na verdade, alguém da minha antiga paróquia me procurou para dizer – tiro o chapéu para ele – que lamentava o que aconteceu. Então, estou vendo que algo acontece; a mudança está a caminho."

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