Samarco, a empresa que rachou Mariana
8 de dezembro de 2015Passado o primeiro mês do rompimento da barragem de Fundão, os sinos de todas as igrejas badalaram em uníssono. Mas a cerimônia ecumênica realizada no último sábado, em memória às vítimas da enxurrada de lama, surpreendeu ao reunir somente cerca de cem pessoas na Arena Municipal de Mariana. Deixando exposto um dilema moral que consome os moradores da região: enquanto muitos sentem raiva da Samarco, a dona da barragem, a quem culpam pela tragédia, outros hesitam em condená-la abertamente numa cidade onde 80% da economia giram em torno da exploração de minérios. É da mineradora, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, que vem, direta ou indiretamente, o sustento de milhares de famílias. Criticar a companhia pode significar, no futuro, a perda dessa renda.
"Este ato é um clamor, uma prece para que todos os atingidos e atingidas tenham seus direitos respeitados, a justiça garantida e a certeza de reconstrução da vida", afirmou o padre Geraldo Martins, um dos organizadores do evento, lamentando o baixo comparecimento e o ginásio vazio.
Segundo o prefeito de Mariana, Duarte Júnior, somente na Samarco trabalham hoje mais de quatro mil moradores, e o município recebe recursos de R$ 6 milhões por mês graças às atividades da mineradora. Por isso, a discussão em torno da responsabilidade pelo colapso da barragem é tema onipresente nas rodas de conversas em praças, restaurantes e nos pequenos burburinhos que tomam as recepções de hotéis e pousadas de Mariana, ainda repletas de desabrigados. E o assunto divide opiniões sobre culpa e, principalmente, sobre o futuro. Afinal, estudos estimam que ainda haja reservas de minério de ferro por, pelo menos, mais cem anos naquela região. Muitos temem pelo fim da empresa.
"Dá um aperto no peito, mas acho que muita gente não veio aqui por medo. As pessoas podem perder o emprego, a ajuda, e ninguém pode ficar sem salário, né? Eu acho que eles (Samarco) não tiveram culpa. Estão fazendo o que podem para ajudar", confidenciou à DW Brasil um morador do distrito de Paracatu de Baixo, pedindo para não ser identificado.
Um taxista, que pediu para não ser identificado, disse que, sem a mineradora, a cidade de Mariana simplesmente acaba. Ele mantém o táxi para rodar nos fins de semana e dias de folga. O dinheiro que ganha é fundamental para complementar os R$ 1.600 que recebe por mês como funcionário público, sua ocupação principal.
"Todo mundo aqui precisa da Samarco. São os funcionários deles que enchem os restaurantes e as pousadas, porque os turistas preferem dormir em Ouro Preto. São eles que movimentam o comércio. Às vezes, me ligam pedindo para levar ou buscar algum funcionário em Belo Horizonte, por exemplo, e a corrida custa R$ 480. Eu espero que eles cumpram o prometido, porque sem isso não posso pagar as contas da casa", contou ele, que tem três filhos.
"Mais verde e menos mineradoras", pede moradora
Entre as vítimas, o clima na cidade parece de resiliência. Mas aqueles que não são empregados pela mineradora ou por empresas terceirizadas criticam a tragédia e apontam o culpado pelo que garantem ser um crime ambiental - e não um mero acidente.
"Não tem dúvidas de quem é o culpado. Nossos governos deixam a mentalidade capitalista medíocre explorar nossos recursos sem controle. Primeiro, roubaram o ouro. Depois, os minérios, e agora, querem matar o povo. Queremos mais verde e menos mineradoras. Basta de governos lutando pelos interesses das grandes empresas. É preciso controlar o que elas fazem e trazer novas indústrias para Mariana", atacou aposentada Maria Ignácia Tavares Camelo, de 66 anos, que escreveu um manifesto pedindo mudanças na condução do caso.
"Prefeitura está fazendo papel de palhaço", ataca promotor
São muitos os interesses em jogo. De fato, a relação do poder público com a companhia apresenta sinais claros de controvérsia. Desde os primeiros dias da tragédia, autoridades fizeram conferências de imprensa dentro das instalações da mineradora. É a própria empresa que repassa às autoridades municipais o balanço das atividades de resgate e assistência social às vítimas, além de controlar acessos a regiões como Bento Rodrigues. Agora, a partir desta semana, a companhia vai assumir até a coordenação de iniciativas cidadãs, como o galpão de recolhimento de animais. Esse predomínio da Samarco é alvo da preocupação de Guilherme Meneghin, promotor do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
"A prefeitura está fazendo papel de palhaço. O governo estadual ajudou com eficiência, através do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, e o governo federal está ausente. Não apareceu antes, durante ou depois do desastre. A presidente Dilma Rousseff sobrevoou a região e só. Você viu alguma entidade federal circulando nas áreas atingidas? Eu também não. Até hoje, não fui procurado por absolutamente ninguém", destacou o promotor.
Meneghin mantém dois encontros semanais com representantes legais da Samarco para negociar o pacote de assistência. E deu um prazo até quarta-feira (09/12) para que seja assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um acordo extrajudicial com a Samarco para agilizar o atendimento emergencial às famílias atingidas pela lama de rejeitos. Com 21 itens, o acordo prevê, entre outros pontos, o aumento da ajuda para cada vítima, que é um salário mínimo (R$ 788) por família, acrescido de 20% por dependente.
"A demora na assistência é absurda. Os moradores querem R$ 1.500, mais 30% por dependente. Se a Samarco não concordar com isso, posso ajuizar uma ação só para isso, independentemente dos demais termos do TAC. Também já dissemos ser inegociável que os R$ 300 milhões que conseguimos bloquear da mineradora fiquem disponíveis num fundo controlado pela própria. Minha preocupação é saber para onde vai esse dinheiro. Deixar o dinheiro bloqueado à disposição da própria Samarco é brincar com os direitos das vítimas", disse Meneghin.
Para ONG, governo deixa chave da penitenciária nas mãos do bandido
A falta de uma presença incisiva do poder público e de transparência da mineradora preocupa, ainda, os movimentos sociais. Criado há 24 anos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tenta ajudar na coordenação dos moradores para que eles tenham todos os direitos cumpridos pela Samarco e possam, então, recomeçar suas vidas. Para Letícia Oliveira, da coordenação estadual do MAB, um dos maiores problemas é que governos federal e estadual, além da prefeitura, estariam mesmo deixando tudo nas mãos da Samarco. "É como deixar a chave da penitenciária nas mãos do próprio bandido."
"Tentamos falar com a empresa em mesas de negociação e diálogo, mas as respostas são sempre muito evasivas. É um absurdo que essas famílias passem o Natal ainda em hotéis. A proposta de ajuda que ofereceram aos moradores é insuficiente. Eles estão brincando com a urgência das pessoas, oferecendo qualquer coisa e se aproveitando da desinformação das vítimas e da omissão do poder público. Vai ser um trabalho muito longo", afirmou Letícia.
Procurada pela DW Brasil, a Samarco limitou-se a informar que 115 famílias dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu já estão morando em casas alugadas pela empresa em Mariana e Barra Longa. E que começou a distribuir o primeiro lote de 115 cartões que garantirão o auxílio mensal às famílias atingidas - mas sem mencionar as cerca de 350 famílias ainda à espera do rendimento. A empresa também não mencionou se oferecerá um bônus de R$ 10 mil pedido pelos moradores para reerguer suas vidas, com o qual ainda não se comprometeu.
"A Samarco é uma das dez maiores exportadoras brasileiras e está, neste momento, integralmente focada no atendimento às pessoas e não está poupando recursos para mitigar os efeitos decorrentes do acidente", diz a nota.