"Só Cuba poderia ofertar médicos necessários"
8 de julho de 2018Criticado no lançamento em 2013, o programa Mais Médicos prometia corrigir o problema da falta de médicos em diversas regiões do país trazendo profissionais do exterior. No comando do Ministério da Saúde na época estava Alexandre Padilha.
Cinco anos depois, o sucesso do Mais Médicos na ampliação do acesso ao sistema de saúde é apontado por diversos estudos. Em entrevista à DW Brasil, Padilha, um dos principais idealizadores do programa, defende a cooperação feita com o governo de Cuba e afirma que grande parte das críticas era ideológica e tentava impedir a proposta.
DW Brasil: Quando o Mais Médicos foi lançado, há cinco anos, uma das principais críticas foi em relação ao modelo de intercâmbio adotado com Cuba, no qual o governo cubano fica com parte do salário dos médicos. Em algum momento, o senhor achou problemático esse modelo de cooperação?
Alexandre Padilha: Esse é um modelo que Cuba oferece a mais de 60 países. Eu enxergava o povo brasileiro precisando de médicos e a necessidade de ter um médico preparado para atuar na atenção primária de saúde. O único país que poderia ofertar essa quantidade de médicos e com esse perfil de formação era Cuba.
Muito da crítica é ideológica ao Estado cubano. Na Alemanha, boa parte do salário de um médico fica com o Estado alemão, retido na forma de imposto. Há uma carga tributária no imposto de renda para categorias na Europa que chega a 40% em alguns países, e ninguém questiona isso. Parte do salário do médico europeu fica com o governo para que o Estado provenha saúde e educação para a população. Com Cuba acontece algo similar. Uma parte do salário deste médico fica com o Ministério da Saúde cubano para sustentar e manter o sistema nacional público de saúde e continuar formando médicos não só para Cuba, mas para o mundo inteiro.
Quando foi feita a cooperação com Cuba, o senhor esperava que alguns médicos cubanos abandonariam o programa?
Sim, isso aconteceu em vários países. Embora o volume que tenha desistido é ínfimo se comparado com o sucesso que foi a presença e retorno à população brasileira.
Outra crítica feita foi em relação à falta de médicos. Organizações da categoria contestavam esse argumento governamental usado para justificar o programa e alegavam que o que faltava no Brasil era um plano de carreira para a fixação de médicos no interior e infraestrutura. Como o senhor viu essas críticas?
Eram críticas que tentavam impedir o programa. Estudos acadêmicos mostraram que elas não têm substância, porque os médicos chegaram às unidades básicas de saúde e conseguiram desempenhar o seu papel. A ida dos profissionais pelo programa significou ainda mais investimentos, inclusive nos postos de saúde. Também defendo que temos que ter planos de carreira que passem pelos três níveis de governo. O plano de carreira, porém, tem que ser um acréscimo ao programa e não uma alternativa.
Como surgiu a ideia do Mais Médicos? Quais expectativas havia na época?
Quando assumi o ministério em 2011, realizamos um seminário internacional para compreender como outros países com sistemas nacionais públicos conseguiram ao longo de sua história enfrentar os problemas do provimento e fixação de médicos. Todos os países com sistemas semelhantes ao do Brasil possuíam uma política para atrair profissionais estrangeiros.
Assim, montamos o programa que tem três grandes eixos: o primeiro de efeito imediato, que foi o que mais ficou público e gerou mais debate, que foi trazer médicos para o Brasil. O segundo foi mudar a formação do médico brasileiro, com a abertura de novas escolas. E o terceiro era a formação de especialistas. Com a eleição municipal de 2012, o programa ganhou força quando os novos prefeitos fizeram um movimento nacional pedindo soluções ao governo federal. Esse movimento foi muito importante porque deu sustentação política para o Mais Médicos.
Hoje, cinco anos após o lançamento, como você avalia o programa?
É um sucesso do ponto de vista técnico e acadêmico. Nos munícipios que aderiram ao programa, foi ampliado o número de consultas na atenção básica e reduzido o de internações por doenças sensíveis à atenção básica, a mortalidade infantil, além de ampliada a cobertura do pré-natal. O programa é também um grande sucesso em relação à aceitação da população.
Outra contribuição foi o debate político provocado sobre o perfil do médico que o Brasil estava formando, chamando a atenção para a necessidade de um médico com mais presença nas comunidades mais pobres e com um olhar específico para essas regiões, além da necessidade de um profissional com uma visão e formação mais integral de saúde.
Na sua opinião, houve alterações significativas no programa com a mudança de governo após o afastamento e impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff?
Infelizmente o que observamos é um processo de retrocesso em relação ao programa. Tivemos uma redução da participação de médicos cubanos, com entrada de médicos brasileiros formados em países como Bolívia e Paraguai, onde a qualidade da formação, em parte, é questionável, diminuindo a qualidade da atenção primária e do cuidado ao paciente. Além disso, outras medidas previstas pelos Mais Médicos, como a abertura das escolas de saúde e de vagas para residência, foram absolutamente interrompidos pelo atual governo.
Quais são os impactos destas mudanças no programa?
O Mais Médicos está vinculado a uma aposta de um sistema nacional de saúde público e universal, fortemente baseado na atenção primária de saúde, então, a perspectiva de futuro atual é muito ruim, porque o governo não acredita na construção deste sistema nacional público. O governo congelou por 20 anos os recursos da saúde e tem feito cortes no orçamento da pasta. O Mais Médicos não é um programa isolado, está vinculado a um compromisso de expandir o sistema público de saúde.
O senhor acredita que o resultado das eleições deste ano pode colocar em risco o Mais Médicos?
O que está em risco no Brasil é a ideia de um sistema público universal de saúde. O Mais Médicos não existe sem um forte apoio no sistema público, porque não adianta ter médico e não produzir vacina, fazer cortes na assistência farmacêutica e interromper as obras da atenção primária. O programa está em risco porque o SUS está em risco.
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