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ConflitosMianmar

Rohingyas de Mianmar em meio ao fogo cruzado da guerra civil

Rodion Ebbighausen
21 de agosto de 2024

Sequestros, falta de suprimentos, fome e morte: uma guerra civil cada vez mais complexa e com muitas vítimas está ocorrendo no estado de Rakhine, em Mianmar, vitimando novamente a minoria rohingya.

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Rohingyas em torno de um corpo de parente morto e coberto com um lençol
Rohingyas velam a morte de parentes no naufrágio de um barco no rio Naf, na fronteira entre Myanmar e Bangladesh, em 6 de agostoFoto: AFP

Com a guerra civil em Mianmar se tornando cada vez mais complexa, vários grupos religiosos do país estão se vendo em meio ao fogo cruzado das facções beligerantes, que buscam explorar divisões étnicas para promover seus próprios objetivos.

É o que ocorre no estado de Rakhine, onde os combates já duram meses, concentrando-se nas localidades de Maungdaw e Buthidaung. A maioria da população desses locais é muçulmana, sobretudo da etnia rohingya, mas também há budistas rakhines na área.

Os rohingyas são a minoria muçulmana que Mianmar não reconhece como cidadãos. Em 2017, cerca de 750 mil rohingyas foram expulsos para Bangladesh pelos militares de Mianmar.

Testemunhas afirmam que até 200 pessoas, incluindo mulheres e crianças, foram mortas num ataque com drones e artilharia nas proximidades do rio fronteiriço Naf, em 5 de agosto. Essa informação não pôde ser verificada de forma independente.

Na semana passada, a organização de ajuda humanitária Médicos Sem Fronteiras declarou que suas equipes nos campos de refugiados de Cox's Bazar, em Bangladesh, haviam tratado um número excepcionalmente grande de rohingyas com ferimentos de guerra que haviam fugido de Mianmar para Bangladesh após o ataque de 5 de agosto.

A MSF atua nos campos de refugiados rohingyas de Cox's Bazar, em Bangladesh, que acolhem mais de 1 milhão de refugiados rohingyas oriundos de Mianmar.

Com a ajuda da ONG alemã Asia House Foundation, a DW conseguiu falar com três rohingyas que vivem na Alemanha e mantêm contato com seus parentes na área afetada. São eles Umar Farok, Muhamad Husein e Zainul Mustafá. Os entrevistados não integram nenhuma organização e deram relatos pessoais.

Farok relatou que perdeu 17 parentes nos combates entre 4 e 6 de agosto e que dois sobreviventes conseguiram chegar a Bangladesh.

Husein listou os principais problemas que afetam os rohingyas em Rahkine: recrutamento forçado, sequestros e a falta de suprimentos exacerbada pelo bloqueio de todos os envios de ajuda humanitária.

"As pessoas estão vivendo nas ruas. Não podem entrar em suas próprias casas, ou essas casas foram destruídas. A fome aflige toda a comunidade. A maioria dos rohingyas não consegue fazer uma refeição que seja por dia: eles estão comendo folhas de bananeira e outras coisas para sobreviver", disse Husein à DW.

Farok, Husein e Mustafá disseram acreditar que o Exército Arakan (AA) é responsável pelo ataque de 5 de agosto e pela situação catastrófica em geral.

Conflito entre grupos étnicos no norte de Mianmar

O Exército Arakan (AA) é um grupo rebelde que luta contra a junta militar no poder em Mianmar. Ele atua como braço militar da Liga Unida de Arakan (ULA), a organização política da população budista de Rakhine.

O objetivo declarado do AA e da ULA é criar uma região autônoma no estado de Rakhine que inclua a população muçulmana ao lado dos rakhines budistas. Arakan é o antigo nome de Rakhine.

Casas destruídas por combates entre militares de Myanmar e grupo rebelde Exército Arakan
Combates entre militares de Myanmar e grupo rebelde Exército Arakan deixam rastro de destruição em RakhineFoto: AFP

Numa declaração divulgada em 7 de agosto, o AA rejeitou qualquer responsabilidade pelo ataque de 5 de agosto. Em vez disso, atribuiu a culpa aos militares de Mianmar e a "grupos muçulmanos extremistas armados" que, segundo ele, lutam contra o AA e também impediram que civis fugissem das zonas de combate.

A declaração nomeou milícias rohingyas como o Exército de Salvação dos Rohingyas de Arakan (ARSA), a Organização de Solidariedade Rohingya (RSO) e o Exército Rohingya de Arakan (ARA), formado em 2020.

As milícias rohingyas têm recebido armas e apoio financeiro das agências de inteligência de Bangladesh e de outras partes interessadas há vários anos, de acordo com um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) de dezembro de 2023.

O relatório afirma que Bangladesh quer que esses grupos ajudem a forçar a repatriação dos rohingyas para Mianmar. Os três homens que falaram com a DW disseram que esses grupos armados não representam os rohingyas.

Enquanto isso, os grupos armados rohingyas passaram a cooperar com a junta governante de Mianmar, o Conselho de Administração do Estado (SAC), para levar de volta refugiados rohingyas que estão em Bangladesh.

Recentemente, um relatório abrangente da ONG humanitária Human Rights Watch documentou que os grupos rohingyas recrutaram à força até 1.800 rohingyas em campos de refugiados em Bangladesh e os levaram para Mianmar para lutar pelo SAC contra o AA.

"Dividir para governar"

O SAC é a terceira parte no conflito no estado de Rakhine. Ele mergulhou Mianmar numa nova fase da guerra civil com o golpe militar de 2021.

Desde outubro de 2023, o SAC está perdendo terreno em várias partes do país. O AA, que atua não apenas em Rakhine, mas em todo o norte de Mianmar, é um dos seus oponentes mais fortes e bem conectados.

Como o SAC está na defensiva contra o AA, ele está confiando na estratégia de "dividir para governar", que os militares têm usado "desde 1948 para manter os grupos étnicos em conflito uns com os outros a fim de governá-los", como explica o historiador da École française d'Extrême-Orient (EFEO) Jacques Leider.

Ele acrescentou que a junta está recrutando rohingyas à força, com a ajuda de milícias rohingyas, e os colocando para lutar contra o AA para insuflar o conflito.

O especialista Paul Greenings, ex-coordenador da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Rakhine, alertou, num artigo de opinião para o jornal no exílio Irrawaddy, em março de 2023, que o "regime militar está novamente jogando a carta étnica no estado de Rakhine, e muitos rakhines e rohingyas estão caindo nessa novamente".

Greenings também escreveu, em junho de 2024: "É importante lembrar que a maioria dos rakhines e rohingyas vive e interage pacificamente". Porém, num conflito marcado por dificuldades e décadas de desconfiança, declarações desse tipo costumam ser descartadas como manipulação.

O comandante do AA, Twan Mrat Naing, declarou em maio que "nossos dedicados soldados de Arakan estão empenhados em proteger e servir a todos, independentemente de sua origem religiosa ou étnica".

Mas como o comandante do AA frequentemente usa o termo "bengalis" para se referir aos rohingyas, muitos rohingyas veem nisso uma indicação de que o AA está buscando um objetivo diferente. Os rohingyas consideram que qualquer pessoa que use a designação "bengalis" está negando que os rohingyas pertençam ao estado de Rakhine.

Mustafá, que é da etnia rohingya, disse à DW que as palavras divergem das ações do AA. "Sua atitude em relação aos rohingyas é a mesma que a dos militares de Mianmar, ou até pior. Seu objetivo é exterminar completamente os rohingyas de Rakhine e transformá-lo em seu próprio país Rakhine."

Leider, entretanto, discorda dessa avaliação. Ele diz que, em outras partes do estado de Rakhine sob controle do AA, os rohingyas e outras minorias muçulmanas vivem ao lado dos rakhines. "O que está acontecendo em Maungdaw e Buthidaung é principalmente o resultado de uma situação confusa de guerra", afirma.

Isso explica, mas é claro que não justifica, a violência contra a população civil.

No entanto, Leider alerta contra elevar o já forte etnonacionalismo budista e muçulmano por meio de especulações e acusações mútuas, afirmando que isso acaba reforçando a estratégia de "dividir para governar" do SAC.