Muitos brasileiros estão cansados. Não aguentam mais a propaganda eleitoral, as discussões entre conhecidos e familiares, os slogans repetitivos, a avalanche de postagens e vídeos na internet. E estão também assustados com a violência verbal e física que frequentemente parte de um lado: dos bolsonaristas.
O nível da disputa eleitoral em geral tem sido baixo. A principal responsável por isso é a campanha de Jair Bolsonaro, que pretendia simplesmente repetir sua estratégia de 2018. Com mentiras, invenções, alarmismo, dados falsos e insultos. A campanha do presidente pode ser resumida da seguinte maneira: "Lula é um ladrão, o Brasil não pode se transformar numa Venezuela, o PT quer corromper sexualmente seus filhos e fechar as igrejas evangélicas; Jair Bolsonaro é o salvador da pátria."
Logo ficou claro que essa estratégia não teria o mesmo sucesso que teve em 2018. Por duas razões: Bolsonaro não é mais o outsider. Trata-se menos do que o PT fez no passado e muito mais de um balanço do governo dele. De repente, Bolsonaro se viu na defensiva, e nisso ele não se sente tão confortável como no ataque. O antipetismo, decisivo nas eleições de 2018, não mobiliza mais as mesmas massas.
Em segundo lugar, desta vez seu adversário é Lula, experiente político com uma forte sede de poder e que não se deixa intimidar facilmente. Ele aposta na memória de seu próprio governo, entre 2003 e 2011, e nos ataques contra Bolsonaro, em vez de dar a outra face.
Jefferson: resultado de quatro anos de bolsonarismo
Mas além de Lula, apareceu mais um adversário para Bolsonaro: o Judiciário. Sem mecanismos estabelecidos para banir mentiras e ofensas na era digital, os tribunais entraram em cena no Brasil após as eleições de 2018. O bolsonarismo considera essas intervenções judiciais como um ataque contra a liberdade de expressão. Em seu primitivismo intelectual, não quer entender que a liberdade traz sempre consigo uma responsabilidade.
Roberto Jefferson é um fanático bolsonarista. Acredita que está acima da lei e pode fazer o que quiser sem consequências. Representa o pensamento bolsonarista: prepotente, infantil, arrogante. Naturalmente, Jefferson se considera um "cidadão do bem" e um bom cristão .
Imaginemos que a PF tivesse aparecido numa favela para fazer cumprir um mandado e que fosse recebida com balas e granadas. Será que o ministro da Justiça, um padre fake e um agente de operações táticas teriam aparecido para "desacelerar a situação"?
O absurdo da cena talvez nem seja mais perceptível para a maioria dos brasileiros. Eles se acostumaram com o absurdo como parte do espetáculo político diário. Mas é de se temer que Jefferson seja apenas o prenúncio de uma onda que será difícil deter: o bolsonarista armado que atira com fuzil porque se acha um revolucionário em nome da liberdade, da família, de Deus e da pátria. Que está convencido de ter o direito de decidir o que é justiça e o que não é.
O Brasil está a poucos dias de uma das mais importantes eleições de sua história. Eleições que decidirão como o país se autodefine e como será visto no mundo. Trata-se também de deter os Bob Jeffersons.
--
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.