Retrocesso ambiental deve pôr Brasil em saia-justa na Europa
16 de agosto de 2017O Brasil deve sofrer reprimendas de outros países e pode até passar por constrangimentos na próxima Conferência do Clima da ONU (COP23), que ocorre em novembro na Alemanha, em meio ao que ambientalistas descrevem como um pacote de retrocessos na política ambiental do governo.
O aumento do desmatamento na Amazônia, a possível redução do nível de proteção de áreas florestais e o foco excessivo da política energética nos combustíveis fósseis são fatores que farão o país chegar com uma imagem ruim à conferência deste ano. Presidida por Fiji, a próxima edição da COP, que ocorre anualmente, será realizada em Bonn, na Alemanha.
Embora o Brasil tenha feito até agora um bom trabalho em seus esforços diplomáticos na conferência, estes não têm sido acompanhado por avanços na implementação de medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e cumprir o Acordo de Paris, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.
"Seis ou sete anos atrás, o Brasil chegava às COPs, um dos diplomatas fazia o anúncio da taxa de desmatamento e isso era seguido de uma salva de palmas porque significava que o Brasil estava enfrentando o desafio de reduzir o desmatamento e, com isso, diminuindo muito suas emissões. Agora não existe mais ambiente para aplausos", afirma Rittl. "Pelo contrário, o presidente Michel Temer ter criado um ambiente onde as questões socioambientais são moeda de troca para conseguir votos no Congresso é constrangedor por si só."
Segundo Rittl, o país já levou notícias ruins para a COP de 2016, como o aumento de 24% do desflorestamento na Amazônia em 2015 e a alta da violência no campo. Mas agora o cenário é ainda pior, com mais uma alta no desmatamento amazônico em 2016, de quase 30%, a pior taxa desde 2008.
Temer já levou ao Congresso um projeto de lei para alterar os limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, reduzindo o nível de proteção ambiental da área. O projeto, que conta com apoio da bancada ruralista no Congresso, removeria restrições a atividades rurais e à mineração, e aqueles que ocuparam a região ilegalmente poderiam obter o título das terras.
O avanço do desmatamento já fez com que o governo brasileiro tomasse uma bronca da Noruega, que, questionando as políticas de conservação brasileiras, cortou pela metade, em quase 200 milhões de reais, o repasse ao Fundo Amazônia. A Alemanha também condicionou a manutenção de suas contribuições à redução dos índices de desmatamento.
No âmbito do Acordo de Paris, o Brasil tem como meta reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005. Para isso, se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 e expandir a participação de energias renováveis na matriz energética brasileira, incluindo as energias eólica, biomassa e solar.
Impulso para os biocombustíveis
Uma nova política para biocombustíveis, o RenovaBio, pode ser a única notícia positiva que o Brasil terá a apresentar na conferência, mas, ainda assim, a falta de clareza sobre suas metas preocupa. O programa deve ser tema de um evento oficial do governo brasileiro na COP23, segundo o Ministério do Meio Ambiente.
O objetivo do RenovaBio é contribuir para que o país aumente a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol e a parcela de biodiesel na mistura do diesel.
Contudo, o governo precisa mostrar números mais concretos para ser convincente com o RenovaBio, diz o professor Tercio Ambrizzi, do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP. "Quanto efetivamente vamos contribuir para o corte de emissões? Como isso vai ser importante? Se não se colocar números associados a ele, o anúncio desse programa é como anunciar um programa político", afirma Ambrizzi, que prevê uma participação "pífia" do país na COP23.
Ainda que a política para biocombustíveis seja implementada, Ambrizzi ressalta que ela pouco trará se não for aliada a uma mudança na matriz energética. E não há indícios de grandes transformações. O Plano Decenal de Expansão de Energia, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, ainda prevê mais de 70% dos investimentos até 2026 no segmento de combustíveis fósseis, isto é, petróleo e gás natural.
Esse planejamento também foi alvo de críticas da organização Climate Action Tracker (CAT), que monitora o progresso de vários países para alcançar as metas do Acordo de Paris. Em avaliação publicada sobre o Brasil em maio, a CAT afirmou que "acontecimentos recentes no planejamento da infraestrutura energética e níveis crescentes de desmatamento evidenciam uma piora na implementação da política climática do Brasil, na direção oposta do que é necessário para atingir a meta do Acordo de Paris".
A CAT também mencionou o corte de 50% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente e outras áreas, o que, na sua avaliação, aumenta as preocupações sobre a capacidade do governo de monitorar o desflorestamento.
Pior do que Trump?
A COP23 será a primeira Conferência do Clima realizada desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a intenção de deixar o Acordo de Paris, o que deverá influenciar os debates. Porém, na avaliação de Rittl, do Observatório do Clima, o que tem ocorrido em termos de política ambiental e climática no Brasil chega a ser pior do que o abandono do acordo por Trump.
"Nos EUA, a decisão de Trump acabou gerando uma reação muito positiva de governos estaduais, prefeituras e no setor privado, com muitos anunciando que vão manter proporcionalmente as metas. No Brasil, o que estamos vendo é a desconstrução muito acelerada da política socioambiental num país que era exemplo."
A imagem brasileira fica ainda mais negativa em comparação com a de outros países emergentes. De acordo com a CAT, medidas positivas de China e Índia, que estão acelerando a transição para energias renováveis e começando a abandonar usinas a carvão, superam significativamente os impactos negativos das propostas do governo Trump nos EUA.
Enquanto isso, especialistas apontam que o Brasil parece estar retrocedendo, o que põe em xeque a capacidade brasileira de cobrar outros países sobre suas ações climáticas nas discussões da COP.
"Em 2016, acendemos a luz amarela. O que está acontecendo agora no Congresso acende a luz vermelha. O alarme precisa ser ligado", diz Rittl.