Resultado presidencial da Moldávia é vitória para a Europa
4 de novembro de 2024O decisivo segundo turno presidencial da República da Moldávia, neste domingo (03/11), foi um pleito sem igual na história mais recente da Europa. Por um lado, marcado por participação recorde, sobretudo a partir do eleitorado residente no exterior. Por outro, manchado por tentativas maciças de distúrbios e fraude; por ameaças de bombas contra algumas seções, forçando-as a ser temporariamente fechadas; e por transportes aéreos, aparentemente organizados em massa, de eleitores moldavos da Rússia para Belarus, Azerbaijão e Turquia.
Apesar de tudo, após uma hora e meia de apuração – acompanhada pelo suspense de um romance policial –, pouco antes da meia-noite o resultado inoficial estava definido: a atual presidente, Maia Sandu, de orientação pró-União Europeia e paladina de reformas abrangentes do direito estatal, venceu com cerca de 55% das urnas. Seu adversário, o ex-procurador geral Alexandr Stoianoglo, deposto por acusações de corrupção e apoiados por partidos pró-russos, obteve 45%.
Desse modo fracassaram as tentativas de interferência e fraude eleitoral das últimas semanas, organizados a partir da Rússia, estando por ora preservada a perspectiva de um ingresso do país no bloco europeu.
Contudo, sem esses ataques híbridos, o resultado deveria ter sido ainda muito mais favorável a Sandu. Duas semanas antes, o referendo relativo à UE teve resultado extremamente apertado, com apenas 10 mil votos de vantagem para os pró-europeus. Autoridades moldavas partem do princípio de que houve compras de votos em grande escala.
"Vocês salvaram o nosso país"
A participação nas urnas presidenciais foi de 52%, um recorde para a ex-república soviética, já que grande parte do eleitorado enfrentou grandes dificuldades para poder votar. Uma parte da população de cerca de 2,8 milhões vive na região separatista pró-russa da Transnítria, enquanto outras centenas de milhares se encontram em outros países europeus.
Já antes da meia-noite, Sandu foi aclamada como vencedora por seus adeptos na capital Chisinau, na central do Partido Ação e Solidariedade (PAS), fundado por ela. Pouco depois, completamente rouca, numa coletiva de imprensa, ela dirigiu ao país um discurso de agradecimento altamente emocional, afirmando que as eleitoras e eleitores haviam "escrito uma lição de democracia para os livros escolares" e "salvado nosso país", "vencendo, unidos, aqueles que queriam nos forçar a cair de joelhos". Ela dirigiu-se em especial à diáspora: "Vocês são incríveis, mostraram que o seu coração está no nosso país."
Por diversas vezes nesse discurso, a chefe de Estado de 52 anos assegurou estar também escutando as vozes críticas e "daqueles que votaram diferentes". Em certo momento, passou brevemente do idioma oficial, romeno, para o russo, afirmando que todos os cidadãos moldavos desejam "viver em paz, prosperidade e numa democracia e numa sociedade unida", independente de etnia e idioma.
Reforçando as graves acusações que fizera durante o primeiro turno e a campanha eleitoral das últimas semanas, Sandu disse ter havido "um ataque sem precedentes" contra o país", como a tentativa de "comprar votos com dinheiro sujo", uma "ingerência por forças externas e grupos criminosos".
Num gesto de autocrítica, ela observou que até agora o avanço das reformas estatais tem deixado a desejar: "Precisamos implementar as reformas com maior velocidade e consolidar a nossa democracia", reforçou.
Mudança de governo à vista
Maia Sandu e seu governo se encontram sob grande pressão e grandes expectativas no país. Embora há anos ela mantenha a reputação de ser absolutamente íntegra e incorruptível, além de reformista determinada, seus poderes como presidente são limitados.
Em 2025 haverá eleições legislativas na Moldávia. Se até lá o primeiro-ministro Dorin Recean, político de confiança de Sandu, não apresentar uma política social mais efetiva, assim como reformas judiciárias e anticorrupção, o curso pró-UE do país estará em perigo. Em breve haverá formação de governo, com a troca de diversos ministros.
Comentaristas da emissora de TV de direito público moldava classificaram unanimemente o atual pleito como "geopolítico", em que a população teve que escolher entre a Rússia e a perspectiva de ser parte de uma Europa democrática. A maioria também concordou que houve "ações criminosas sem precedentes" contra a república.
"A Rússia e o grupo criminoso de [oligarca pró-russo] Ilan Shor investiram uma quantia equivalente a 1% de nosso PIB para influenciar esta eleição; houve pressão violenta e um enorme volume de desinformação e manipulação", observa, por exemplo, Valeriu Pasa, presidente da organização civil Watchdog.
Porém também há "muitas lições para o nosso governo e o nosso país aprenderem, no sistema judiciário, na luta contra a corrupção, mas também na forma de lidar com a sociedade e, acima de tudo, com os aposentados, muitos dos quais são suscetíveis a desinformação". Pasa exigiu que "não se trate trapaceiros como Shor com luvas de pelica", sendo necessário ação mais drástica.
Moldávia como campo de testes para Moscou
O empresário israelo-moldavo Ilan Shor é um dos principais responsáveis pelo roubo de aproximadamente 1 bilhão de euros de três bancos do país, entre 2012 e 2014. Ele escapou da pena de 15 anos de prisão fugindo para Israel, e atualmente vive na Rússia. Agora suspeita-se que tenha organizado juntamente com os serviços secretos russos as tentativas de fraude eleitoral e a compra de até 300 mil votos.
Segundo o jornalista Nicolae Negru, Moscou teria transformado a Moldávia num campo de testes para esse tipo de experiências de manipulação. Mas é preciso também se perguntar por que as autoridades não impediram uma fraude de tais proporções, embora já se soubesse dela há muito tempo.
Por sua vez, o politólogo Iulian Groza, do Instituto de Política e Reformas Europeias (IPRE) da Moldávia, enfatiza que não se deve subestimar a dimensão da manipulação e "os sofisticados instrumentos" empregados por Moscou: "A Rússia não vai parar aqui, e tampouco em outras partes da Europa. As atuais práticas e experiências no nosso país devem dar o que pensar a todos os nossos parceiros europeus."