Relações com a Polônia à sombra do passado
31 de agosto de 2005Há exatos 25 anos (31/08/1980), o sindicato Soldariedade (Solidarnosc) nascia na Polônia. A partir daí, não foram necessários muitos anos para que a história registrasse o que parecia até aquele momento praticamente inverossímil: a queda do Muro de Berlim, em 1989, com a conseqüente derrocada da União Soviética.
O movimento que nasceu num estaleiro polonês acabou desencadeando uma verdadeira queda de dominós no cenário geopolítico mundial. "Sem o Solidariedade não teria havido a reunificação alemã nem o fim do comunismo, dois feitos enormes. E isso acaba sendo esquecido com freqüência na Europa", comenta Lech Walesa, hoje aos 60 anos.
O ex-líder sindical e ex-presidente da Polônia afasta-se do Solidarnosc no dia em que este completa 25 anos de existência. Um sindicato que tem atualmente um perfil, contudo, a anos luz da importância de então e um número muito mais reduzido de filiados em seus quadros.
Herança do nazismo
Para a Alemanha reunificada há uma década e meia, o contato com a vizinha Polônia não é, até hoje, isento dos resquícios deixados pela Segunda Guerra. "Retraídas para a eternidade?", pergunta o semanário Die Zeit ao falar das difíceis relações entre os dois países: "um diálogo no qual toda palavra é, até hoje, pesada e medida".
No entanto, enquanto a política interna alemã é observada detalhadamente por Varsóvia, os alemães pouco ou nada sabem do que acontece do outro lado da fronteira polonesa. "É a história de uma assimetria que caracterizou os séculos 19 e 20 e que não se deixa modificar com facilidade", analisa o jornal.
Contra o eixo Paris-Berlim-Moscou
Atualmente membro da União Européia, a Polônia reclama com freqüência ser tratada como um membro de segunda classe por Bruxelas. E se opõe principalmente à formação de um eixo Paris-Berlim-Moscou, fortalecido no atual governo do chanceler federal Gerhard Schröder e visto com extrema desconfiança por Varsóvia.
No decorrer dos últimos anos, o premiê alemão recebeu olhares atravessados da vizinha Polônia, em função de sua proximidade de Vladimir Putin. E os olhos poloneses reviraram ainda mais quando Schröder chamou o presidente russo de "democrata", o que desencadeou uma série de reações em todos os jornais poloneses, que viram na postura de Schröder não só uma ingenuidade, como também um perigo. Isso num contexto de relações russo-polonesas estremecidas, principalmente depois dos conflitos na Ucrânia.
Aliança transatlântica
O medo de que a Alemanha passe por cima de Varsóvia em prol de uma aliança com a Rússia continua assolando o país. Sabendo disso, a candidata da oposição democrata-cristã, Angela Merkel, prometeu recentemente em visita à Polônia evitar que isso aconteça, fortalecendo, por outro lado, a aliança transatlântica com os EUA. Uma posição que Varsóvia vê com prazer, principalmente levando em consideração que o país foi um dos que apoiaram George W. Bush na guerra do Iraque.
Já para Schröder, o "fantasma iraquiano" continua pairando sobre as relações com a Polônia. Embora parte da população polonesa não tenha defendido com convicção a invasão norte-americana no Iraque, foram poucos os que viram com bons olhos a oposição alemã à Casa Branca. Durante o conflito, há de se notar, Varsóvia recebeu acusações do presidente francês Jacques Chirac, enquanto Schröder, tendo em mente as já complexas relações com o vizinho, preferiu se calar.
A polêmica do Centro dos Desterrados
Outra promessa de Merkel em relação à política européia é o fortalecimento do poder dos chamados "pequenos países". Uma posição reafirmada durante a visita da candidata a Varsóvia, mas que acabou desaparecendo atrás de outro assunto: a criação de um Centro de Desterrados alemães em Berlim.
A União Democrata Cristã (CDU) de Merkel publicou em seu programa de governo que apóia a criação desse centro, visto com extrema desconfiança pelos poloneses. Isso fez com que a candidata, vista como pró-Polônia, fosse colocada contra a parede.
As acusações são de que a criação de um centro de memória dedicado aos desterrados alemães, expulsos da Polônia e de outros países após a Segunda Guerra, pode acabar subestimando as atrocidades do regime nazista. Colocando os alemães, desta forma, como vítimas e não algozes.
"Ali onde se alimenta a suspeita de que o passado está sendo relativizado ou até mesmo descartado, onde se equipara algozes a vítimas, onde o 'aspecto polonês' não é destacado, é aí que se toca no nervo das relações", descreve o Die Zeit.
Projeto europeu ou alemão?
A posição de Schröder em relação ao centro é conhecida: o atual ministro do Interior, Otto Schily, já se pronunciou contra a possibilidade de que o centro tenha sua sede em Berlim, afirmando que este só teria legitimidade se fosse erguido como um projeto europeu e não encabeçado pela Alemanha.
Diante de um quadro em que a criação do centro parece certa – pelo menos sob um governo Merkel –, a posição polonesa vem se modificando aos poucos. O tom da mídia do país caminha de um protesto explícito a argumentos que defendem uma participação no projeto de criação do centro, para pelo menos evitar que tudo seja feito sem o aval polonês. Como se a máxima fosse: se o mal é inevitável, vamos pelo menos fazer parte dele.
Cicatrizes do passado
Não só a Alemanha, mas também a Polônia elege em setembro próximo um novo parlamento. Em outubro, os poloneses vão outra vez às urnas, para escolher um presidente. De um lado e de outro da fronteira, não se sabe ainda ao certo quem vai continuar ou passar a dar as cartas.
Dependendo dos resultados, as relações entre os vizinhos podem se tornar mais ou menos amenas. De uma forma ou de outra, as cicatrizes do passado nazista ainda devem continuar por algumas décadas marcando o contato entre os dois países.