Refugiados sob fogo cruzado na Líbia
4 de julho de 2019Explorados, abusados e atacados. Em sua perigosa jornada à Europa, milhares de migrantes passam pela Líbia. Mas a maioria fica presa ali: não podem seguir em frente e vivenciam um tratamento desumano nos campos de detenção de refugiados.
De acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), cerca de 3,3 mil migrantes são mantidos em campos em Trípoli, capital da Líbia, e nos arredores da cidade.
Isso inclui os migrantes em Tajoura, subúrbio a leste da capital, onde ao menos 44 pessoas foram mortas e mais de 130 ficaram feridas em ataque aéreo no início desta semana.
Foi um dos piores ataques desde que as forças rebeldes do Exército Nacional da Líbia, leais ao general insurgente Khalifa Haftar, lançaram uma ofensiva para retomar a capital, controlada pelo governo do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, reconhecido internacionalmente. Mas que papel os refugiados desempenham nessa luta interna pelo poder na Líbia?
"Um crime de guerra"
O ataque aéreo contra o campo de detenção de migrantes causou consternação internacional. Filippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas para os refugiados, explicou que civis não devem, de forma alguma, ser alvos militares.
Também o chefe da missão da ONU na Líbia, Ghassan Salamé, condenou veementemente a ação: "Esse ataque é um claro crime de guerra, já que matou sem nenhum aviso prévio pessoas inocentes que foram forçadas a ir para este abrigo por circunstâncias terríveis."
Esse foi o segundo ataque ao campo em Tajoura, que abriga 600 prisioneiros. Desde o início do conflito entre o governo e a milícia de Haftar no início de abril, ocorreram vários ataques em campos ou em suas proximidades. Atualmente, de acordo com as Nações Unidas, quase 100 mil pessoas estão fugindo da violência na Líbia.
O governo do primeiro-ministro Sarraj acusou os combatentes do rebelde Haftar de responsabilidade pelo ataque. O general havia anunciado uma ofensiva contra Trípoli.
Para Wolfgang Pusztai, presidente do órgão consultivo do Conselho Nacional de Relações EUA-Líbia em Washington, não é possível dizer com certeza se esse ataque foi realmente realizado pelo Exército Nacional da Líbia ou se partiu de combatentes do próprio governo de unidade.
"Já houve casos em que combatentes de Trípoli atacaram alvos civis e alegaram que teria sido o Exército Nacional da Líbia, mesmo que esses alvos não estivessem no alcance da artilharia rebelde", diz Pusztai. Essas milícias que apoiam o governo reconhecido esperam que a comunidade internacional obrigue o adversário delas, o general Haftar, a recuar, explica o especialista em segurança.
O analista tunisiano Mansour Oyouni aponta que atacar refugiados certamente não é do interesse do general Haftar. "Ambos os lados querem expulsar a parte adversária de Trípoli e estão dispostos a usar todos os meios possíveis para tal. Mas, no momento, ninguém pode ser certamente responsabilizado por esse ataque aos refugiados", acrescenta.
Por esse motivo, a agência para refugiados Acnur e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estão exigindo uma investigação independente e completa do incidente, frisando que é preciso responsabilizar os culpados. Ambas as partes em conflito estavam cientes da exata localização geográfica do campo e de que havia civis ali.
Combatentes e escudos humanos
Infelizmente, os campos de refugiados têm um verdadeiro significado militar para ambos os lados em conflito: "Sabe-se que a milícia que luta pelo governo reconhecido de Sarraj recruta refugiados nos campos como soldados", diz Pusztai.
Segundo o especialista, os depósitos de munição foram erguidos intencionalmente perto dos campos, e os refugiados também servem como escudo humano em instalações militares. "Neste caso, os migrantes são usados deliberadamente pelo lado que apoia o governo reconhecido internacionalmente, porque eles querem atrair a atenção internacional e colocar o Exército Nacional da Líbia sob uma luz ruim."
Enquanto não houver paz, não haverá solução para os refugiados na Líbia, afirma o cientista político Oyouni. "No final, são eles as primeiras vítimas, e também quem pagam o preço por tudo isso."
Essa situação poderia induzir a União Europeia (UE) a reconsiderar seu curso sobre a questão dos refugiados? "Não", diz Wolfgang Pusztai, "não penso assim". Mas ao menos as repatriações de refugiados resgatados no Mar Mediterrâneo se tornariam mais complicadas, acrescenta.
"Poucos acampamentos estão localizados diretamente nas áreas de combate, mas eles devem ser reassentados urgentemente. Isso significaria que a UE teria que pular sobre a sua própria sombra e conversar com o governo no leste [da Líbia]. Essa seria uma forma de proteger as pessoas de novos ataques e impedir que elas sejam recrutadas por milícias", finaliza Pusztai.
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