Realidade ou ficção? Dativo ou genitivo?
6 de fevereiro de 2005O terrorista de extrema-esquerda Oliver Zurek, procurado em todo a Alemanha, é morto durante um tiroteio com a polícia. O fato vira escândalo político, pois a versão oficial da história – suicídio – não coincide com o depoimento de testemunhas oculares. O pai da vítima decide tirar a limpo a história da morte (do assassinato?) de seu filho.
RAF: realidade ou ficção?
Com este enredo, o escritor Christoph Hein, uma herança literária da antiga Alemanha Oriental, se aventura em transformar em literatura um polêmico assunto ocidental: o terrorismo de extrema-esquerda da Fração do Exército Vermelho (RAF). In seiner frühen Kindheit ein Garten (Um Jardim em sua Tenra Infância, 2004) é o título do último romance de Hein, que fez a crítica alemã perder a paciência.
"Diálogos secos", "falta de jogo de cintura narrativa", "falta de cuidado dramatúrgico", "personagens pouco complexos e nada convincentes": estes são apenas alguns pontos levantados pela crítica, para demonstrar um "fracasso literário". O romance de Hein reacendeu um novo debate sobre um antigo motivo de polêmica: a relação de documentação e ficção. Ao incorporar em seu romance dados biográficos do terrorista Wolfgang Grams, baleado em Bad Kleinem, em 1993, Hein mal se daria ao trabalho de reelaborá-los literariamente – esta é a maior reclamação da crítica.
Escritores dentro da universidade
A Universidade Livre de Berlim criou a cadeira Heiner Müller de Poética Alemã, a ser ocupada alternadamente por ganhadores do Prêmio de Literatura de Berlim, oferecido pela Fundação Marítima Prussiana. A cadeira é vinculada ao Instituto de Teoria Literária e Literatura Comparada da FU.
Esta iniciativa deverá permitir aos portadores do prêmio "transmitir através oficinas literárias suas experiências a futuros autores entre os estudantes das universidades de Berlim". O dramaturgo Heiner Müller, homenageado com a criação da cátedra, morreu em dezembro de 1995, aos 65 anos.
Propaganda de boca-a-boca?
Existe respiração boca-a-boca, mas propaganda se faz de boca (e não de boca a boca). O mesmo se aplica ao alemão: Mund-zu-Mund-Beatmung e Mundpropaganda. Esta é a apenas uma das mil e uma armadilhas do idioma compiladas por Bastian Sick, colunista do Spiegel-Online, no livro Der Dativ ist dem Genitiv sein Tod (O Dativo é do Genitivo a Morte. Colônia: Kiepenheuer & Witsch 2004). Trata-se de uma seleção das crônicas semanais do autor no site da revista Der Spiegel.
A língua é tão tortuosa para estrangeiros quanto para falantes nativos. O alemão, cada vez mais exposto às influências do inglês e às simplificações orais, como todos os idiomas, está sujeito a variações agramaticais de todas as espécies, propagadas rapidamente pelas mídias eletrônicas. O que aparece no Google existe: esta é uma tendência que Bastian Sick procura revidar com seu livro.
Do plural de Pizza (Pizzas ou Pizzen) ao uso do apóstrofo, passando pela regência de nomes e pelo caso das preposições, o autor tenta normatizar coisas que parecem ter virado questão de gosto. Tudo isso, com a leveza da linguagem jornalística, em doses digeríveis num trajeto de ônibus ou na sala de espera do dentista. Um livro recomendável a falantes nativos e estudantes avançados de alemão.
Vetado selo Elfriede Jelinek
A austríaca Elfriede Jelinek, prêmio Nobel de literatura em 2004, se recusou a se tornar um "ícone". A escritora rejeitou a proposta do correio austríaco de imprimir um selo com seu retrato. "Mal consigo mostrar a minha cara original em público", declarou a romancista e dramaturga de 58 anos, que se não compareceu pessoalmente à cerimônia de entrega do Nobel por não se sentir à vontade diante de aglomerações, "como é que eu haveria de agüentar ser lançada em série?!"
Jelinek prefere separar claramente prêmios de reconhecimento por seu trabalho de homenagens pessoais. "Prêmios literários são gratificações pelo trabalho realizado. Mas como pessoa, não quero nada disso", justificou ela.
Cidade de Deus: a velocidade da violência
A recepção alemã do romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, traduzido por Nicolai Schweder-Schreiner, foi marcada por uma certa ponderação da crítica. O diário Süddeutsche Zeitung se mostrou fascinado pelo tom reservado e inteligente da narrativa, que faz a violência parecer "natural" e até "lasciva". Isso faz com que o leitor entenda a lógica interna das favelas e aceite o fato de o assassinato fazer parte do cotidiano. A única coisa que enfraqueceria o romance seria a dispersão do enredo em muitas linhas narrativas.
O Frankfurter Allgemeine Zeitung também elogiou a velocidade alucinante com que o romance descreve a normalidade do assassinato e da violência sexual. Pouco convincentes, por outro lado, seriam as reflexões do um jovem sobre paz e moral, diante da morte. No entanto, o verdadeiro incômodo que o romance provoca no leitor não é atribuído à ausência de qualidades literárias e sim à imagem bem pouco idílica que o livro veicula do Brasil.