Polêmica
29 de setembro de 2006"Welcome Sir Simon", diziam há quatro anos centenas de cartazes por toda Berlim, antecipando o primeiro concerto do maestro britânico como titular da renomada Filarmônica de Berlim. Na época, músicos, críticos e público saudaram a contratação de Simon Rattle como um passo numa nova direção, para o conjunto hierarquizado e conservador. Um passo que sopraria nova vida na instituição e a faria mover-se adiante.
Atualmente o clima é de descontentamento crescente, dentro e fora da orquestra, com apelos para que Rattle renuncie. Segundo os críticos, ele seria a causa da decadência dos filarmônicos berlinenses, com sua abordagem musical mais aberta e moderna, em detrimento dos padrões alemães.
Outros afirmam que a mais recente controvérsia cultural é típica da Alemanha, país notório por sua capacidade de atrair talento artístico de todo o mundo. Segundo a teoria, os alemães querem sempre algo fresco e novo, mas tão logo o conseguem, preferem reverter para os valores consagrados.
"O que Rattle está fazendo é bom, pois a orquestra precisa se mover adiante, não se agarrar às velhas tradições", comentou um músico clássico de Berlim. "As pessoas estão é aborrecidas, porque é um monte de mudanças de uma só vez."
A máscara do "Feuerkopf"
Em 2002, a contratação de Rattle para a direção artística da Filarmônica foi considerada não apenas uma nova direção para a música, como também uma nova forma de fazer negócios na arte.
A falida capital alemã, com suas três grandes orquestras, transformou a filarmônica pública numa fundação quase privada, dispondo de maior autonomia em questões artísticas e empresariais. Tratava-se de uma première na Alemanha, onde a música e as artes representativas costumam ser financiadas – e controladas – pelo Estado.
Já se contava que o natural de Liverpool, de 51 anos, abalaria as estruturas da Filarmônica de Berlim com seu estilo juvenil. Ostentando um currículo que inclui a reformulação radical da Orquestra de Birmingham, ele viria pronto a substituir os padrões românticos alemães por uma sonoridade mais experimental, assim como a chegar até os jovens através de programas escolares.
Apelidado "Feuerkopf" (cabeça de fogo), Rattle rompeu com o estereótipo do distanciado regente germânico. Com uma juba de cabelos encaracolados, estilo enérgico e um sorriso perpétuo, conquistou o público com sua personalidade comunicativa e sua marca registrada, o mantra "Música é para todos".
Filarmônica degenerada?
Apesar de tudo, o que se cochichava nos meios musicais chegou a público em meados deste ano, quando um conhecido crítico musical pediu a demissão de Rattle, alegando ser ele a causa do declínio da Filarmônica de Berlim.
"Acostumamo-nos a ele, o frisson se foi, cedeu a encantos mais prosaicos", escreveu Manuel Brug, principal crítico musical do jornal Die Welt. "Conhecemos bem seus gestos impetuosos, já percebemos o que está por trás de sua permanente expressão de êxtase, que neste ínterim se coagulou numa máscara."
Brug também acusou o regente de trair o som germânico. "Trabalhando com esta venerável orquestra, ele renega a tradição sinfônica alemã... sem contudo alcançar terras distantes".
O proverbial som "germânico", marca registrada da filarmônica, é rico, pesado e romântico, centrado nas versões da música de Bach, Beethoven, Bruckner, Wagner e Strauss. Rattle, por sua vez, está trazendo obras dos últimos 80 anos, como as de Alban Berg e Arnold Schönberg.
Reforço de casa
Isso foi pretexto para, durante uma entrevista coletiva em maio último, um repórter acusá-lo de desvirtuar a marca registrada da orquestra. O maestro respondeu: "Lamento que este seja o caso". Numa ocasião anterior, Rattle declarara que não pretendia "continuar sempre voltando aos mesmos cavalos de batalha".
No meio tempo, o músico encontrou defensores, sobretudo através da imprensa de seu país natal. O pianista Alfred Brendel escreveu no jornal The Guardian: "A Filarmônica de Berlim está em excelente forma".
"Mantendo a exuberância sonora nas sinfonias românticas, ela se abriu tanto para o repertório contemporâneo quanto para o do século 18, de maneira inovadora", lembrou Brendel.
Tradição x inovação
Muitos alegam que a disputa em torno de Rattle é a velha briga entre a tradição e o novo, que já atingiu um bom número de artistas que tentaram revolucionar dentro da Alemanha. Exemplo marcante é o do coreógrafo norte-americano William Forsythe, à frente do Balé de Frankfurt de 1984 a 2004. A cidade declinou de renovar seu contrato com base na decisão de retornar ao balé mais clássico, em vez das interpretações modernas de Forsythe.
Outros concordam que flexibilidade e variedade são justamente o necessário para levar a arte a audiências mais jovens e cosmopolitas, alertando, porém, que esforços nesse sentido podem ter efeito negativo sobre o prestígio da instituição.
"A Filarmônica não perdeu seu som sob a batuta de Rattle", conclui a musicóloga Christiane Tewinkel no berlinense Tagesspiegel. "Alguém como Sir Simon Rattle, que afirma crer firmemente que 'a música é para todos', está certo, por um lado. Por outro, está esquecendo até que ponto a diferença e o conceito de elitismo continuam a ser vitais dentro da música clássica. Tudo isso ameaça sua própria essência: será a Filarmônica realmente uma orquestra para todo o mundo?"