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Rammstein, filhos do punk da Alemanha Oriental

Silke Wünsch
26 de julho de 2019

Navegando a perigosa fronteira entre anarquismo e extrema direita, roqueiros liderados por Till Lindemann têm raízes no underground da RDA, dos primórdios do movimento até seu esvaziamento, com a queda do Muro de Berlim.

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Integrantes da banda de rock alemã Rammstein
Morte, violência e sexo habitam o universo da RammsteinFoto: Paul Brown

Guitarras arranhadas, bateria que parece uma metralhadora, gritaria, berros e gemidos em vez de canto: fun-punk radical. O disco se chama Saddle up (Sobe na sela), a banda é First Arsch, os guitarristas são Richard Kruspe e Paul Landers, e à bateria, Till Lindemann. O ano é 1992.

O mais tardar na quinta faixa, Crowded house, talvez se desconfie que entre os músicos estão três da futura superbanda Rammstein: um saturado riff de guitarra, acima do qual paira o canto evocativo de Till, em inglês, como um mantra. De vez em quando, parece mesmo que é a Rammstein, mas ela só se formará definitivamente daí a três anos.

Tudo começou no fim dos anos 70. Como descreve o jornalista Torsten Preuss em seu livro Wir wollen immer artig sein… (Queremos ser sempre bem comportados...), o local é "o país mais chato do mundo". Partindo da Alemanha Ocidental, a onda punk invade a comunista República Democrática Alemã (RDA). Para a juventude entediada, essa música anárquica é como uma supernova.

Realizam-se os primeiros encontros punk. Os participantes se divertem muito com a reação do "esquadrão dos coroas" da liderança do Estado, diante dos cabelos coloridos, símbolos anarquistas e pulseiras de rebites: "aparência decadente" é o veredito. Os próprios punks riem da indignação e celebram, irreverentes, esse novo modo de viver.

Concerto punk num pátio interno da RDA, em 1985
Condições improvisadas: concerto punk num pátio interno da RDA, em 1985Foto: imago images/F. Sorge

Os pontos de encontro são casas e apartamentos ocupados, porões escondidos, bares e barracões, e as bandas também participam, tocando sob as condições mais absurdas. Às vezes há um único microfone, um ajudante tem que passá-lo de mão em mão, quando há mais de um cantor no palco. Os amplificadores são improvisados com velhos rádios de válvula, os instrumentos são mercadoria barata da Rússia ou Tchecoslováquia. Quanto mais vagabunda soa a bateria, mais punk é.

Grande parte dos concertos é ilegal, não é raro a polícia e o órgão de segurança Stasi baterem à porta. Para o regime, os punks são figuras subversivas, que gostam de agitar contra o governo. Para intimidar, a polícia secreta detém músicos e aplica penas de prisão. Três integrantes da banda Namenlos são condenados a entre 12 e 18 meses de cárcere por "degradação pública de órgãos estatais". Outros punks são forçados a deixar a Alemanha Oriental.

Escuta-se música punk nas rádios do Ocidente, o próprio local só é difundido em fitas-cassete, já que o selo fonográfico oficial da RDA, Amiga, faz questão de manter distância do movimento. Os conjuntos underground ostentam nomes como Schleim-Keim, Rosa-Extra, Planlos, Unerwünscht, Die Fanatischen Friseure, Gefahrenzone, Freunde der Italienischen Oper, Müllstation, evocando desde lixo, desorientação, perigo e catarro a – ironicamente – a cor rosa e admiração pela ópera italiana.

Os meios punk olham com desprezo para bandas estabelecidas como Puhdys, Karat ou City, que têm permissão para tocar também no Oeste o seu rock alemão-oriental "conforme". Na realidade, também elas têm seus problemas com a censura estatal – que oficialmente sequer existe. E ludibriam os rigorosos fiscais de letras, usando metáforas que tornam quase impossível proibir suas canções.

Banda de rock Rammstein se apresenta em Görkwitz, Turíngia, 1994
Rammstein se apresenta em Görkwitz, Turíngia, 1994Foto: flickr/Vortilogue

O underground permanece "desconforme", optando pela provocação radical. Seus textos tematizam o triste cotidiano dos prédios pré-fabricados, destruição ambiental, alcaguetes da Stasi, ódio nazista. Em resposta, são alvo de repetidas represálias do regime, com a clara intenção de esfacelar a cena punk. Uma das táticas mais pérfidas da Stasi é infiltrar "colaboradores informais" nos meios musicais.

Com tais tentativas de dissolução, o órgão até alcança algumas pequenas vitórias. Só que subestimara a resiliência e atratividade de uma subcultura tão excitante e livre: a juventude não se deixava dissuadir, essa válvula de escape era importante demais para ela e seus artistas e músicos.

Em meados dos anos 80, por fim, o governo da RDA finalmente notou que não conseguiria deter a força que vinha do subsolo. E de repente relaxa, permitindo concertos e festivais inteiros. Os conjuntos são tocados na rádio jovem DT 64, sob a designação oficial "As outras bandas".

Uma delas é Feeling B., formada em 1983. Entre seus integrantes estão Christian "Flake" Lorenz, de 16 anos, nos teclados, e Paul Landers, de 18, na guitarra. É a primeira banda underground "classificada", isto é, reconhecida oficial e estatalmente como "Amateurtanzmusikformation" (formação amadora de música de dança), com permissão para fazer música e se apresentar. Suas letras também não são muito políticas, trata-se, antes, de fun-punk: encher a cara e festejar – e, desse modo, se opor, atrevida e alegre, ao establishment da Alemanha Oriental.

Entre as "outras bandas" está também First Arsch, de Till Lindemann. A cena punk alemã-oriental se conhece, os músicos estão sempre se encontrando, uma bebedeira aqui, um show ali, troca-troca de instrumentos, alguns vivem juntos em repúblicas.

Punks e grufties em Berlim Oriental em 1989, ano da queda do Muro
Punks e grufties em Berlim Oriental, no ano da queda do MuroFoto: imago images/Seeliger

Quando o Muro de Berlim cai, em 1989, a cena se perde: a postura "anti" parece não ter mais sentido. A Feeling B. se separa. Mais tarde, Christian "Flake" Lorenz contaria ao suplemento Einestages da revista Der Spiegel: "Nos anos depois da queda do Muro, tudo definhou. Com a mudança de sistema, de algum jeito não tínhamos mais inimigo, nem orientação. A gente notou que, se continuasse a fazer nossa coisa engraçadinha – semelhante a Die Ärzte, Abstürzende Brieftauben, ou não sei mais quem – isso não interessava a ninguém no Oeste."

Por sorte, Lindemann vence um concurso de bandas com seu novo projeto Tempelprayers, em que Christoph Schneider toca bateria, e Richard Kruspe, guitarra. Eles chamam seus colegas da Feeling B. e ficam pensando o que podiam fazer para "agitar de verdade", revela Flake. Era preciso algo novo, algo mais crasso do que o punk divertido dos tempos da RDA, algo que tivesse impacto real: Rammstein.

Em 1995, sai seu primeiro disco, Herzeleid, causando literalmente, o impacto de uma bomba. O nome já é terror: "Rammstein" lembra a base aérea americana Ramstein onde, durante um show de aeronáutica em 1988, uma manobra mal feita custou as vidas de 70 pessoas. O verso "Rammstein – ein Mensch brennt" (Uma pessoa está pegando fogo), na canção de Till Lindemann que leva o nome da banda, é uma provocação. Em Heirate mich (Casa comigo), no refrão "Hei! Hei! Hei!" muitos creem escutar brados de "Heil!".

Capa do álbum "Rammstein", da banda homônima
Novo álbum, de 2019, se chama "Rammstein"Foto: picture-alliance/dpa/Unviersal Music/Jes Larsen

Chamas, fogo, morte, incesto, violência, sexo, necrofilia, perversão são presença constante das letras de Lindemann; ele próprio encarna pedófilos, homicidas, psicopatas. Para completar o quadro, há a postura marcial da banda e, enfim, a voz de Lindemann, que faz o idioma alemão soar ainda "mais alemão" do que já é. Logo Rammstein é rotulada como rock de direita, embora repetidamente se distancie da ideologia neonazista, renegue os carecas de coturnos militares que frequentam seus concertos.

As letras sempre deixam margem à interpretação – algo que os músicos da cena underground inconformista da Alemanha comunista tinham aprendido muito bem. "Olhando as letras das bandas da RDA, se vê como às vezes elas são boas em descrever os temas por meios líricos. Esse passado está intimamente ligado a nós", comentou Christoph Schneider à revista Stern em 2001.

Há quase 25 anos a Rammstein faz turnês pelo mundo afora. Fiel a si mesma e a seu som, ela ainda consegue provocar. O mais recente tapa na cara de muitos, sobretudo das vítimas do holocausto, foi o vídeo Deutschland, que evoca o capítulo mais sinistro da história alemã, com atmosfera de campo de concentração e estrela de Davi.

A cena é parte de uma canção que acerta contas com toda a história da Alemanha e o seu presente. O brado de "Deutschland!", a plenos pulmões, vai certamente engasgar na garganta de todo nazista, já que o verso seguinte é "Não posso te dar meu amor". Rammstein segue ambivalente e aberta a interpretações, como sempre. Com uma diferença: na Alemanha unificada, não se é mais preso por criticar o sistema.