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PolíticaBolívia

Racha no partido de Morales ameaça democracia na Bolívia

Emilia Rojas Sasse
19 de setembro de 2024

Apoiadores do ex-presidente marcham em direção a La Paz, num movimento que representa uma medição de forças com o atual mandatário, Luis Arce, e escancara conflito na sigla de ambos.

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Evo Morales, ex-presidente da Bolívia
Evo Morales afirma que marcha de apoiadores em curso não tem como objetivo defender sua candidatura em 2025Foto: ASSOCIATED PRESS/picture alliance

Com ou sem Evo Morales à frente, uma marcha de apoiadores do ex-presidente boliviano iniciada nesta terça-feira (17/09), partindo de Caracollo com destino à capital La Paz, representa uma medição de forças com o atual mandatário, Luis Arce, que também faz parte do Movimento ao Socialismo (MAS), legenda de Morales.

"A questão é quem leva mais gente para as ruas. Mas não podemos descartar que haja um potencial de violência", considera a cientista política boliviana Moira Zuazo, pesquisadora associada da Universidade Livre de Berlim.

"A situação na Bolívia é muito delicada, porque a crise econômica é forte, há falta de combustível e um descontentamento enorme por causa dos incêndios", aponta. "O que está claro é que o governo atual não está enfrentando a crise."

Em sua opinião, Morales decidiu "pressionar a partir das ruas num momento em que vê essa profunda fraqueza por parte do governo".

Marcha de apoiadores de Evo Morales na Bolívia
Em seu primeiro dia, marcha de apoiadores de Morales enfrentou resistência de adeptos de ArceFoto: Juan Karita/AP/picture alliance

A marcha começou liderada por Morales e agora continua sem o ex-presidente, que a abandonou para, segundo ele mesmo indicou, demonstrar que o objetivo não é defender sua candidatura presidencial para as eleições de 2025. Algo que o cientista político Marcelo Arequipa, docente da Universidade Mayor de San Andrés, na Bolívia, contesta.

Segundo Arequipa, uma reunião do Movimento ao Socialismo (MAS) convocada pelo ex-presidente e na qual se falou sobre a realização da marcha atual, já apontava para objetivos políticos, entre eles habilitá-lo como candidato. MAS é o partido tanto de Arce quanto de seu padrinho político, Morales, e o controle da legenda é agora disputado por ambos.

"Evo Morales e seus aliados tentaram dizer que sua marcha tem a ver com reivindicações econômicas, pela falta de combustíveis e pelos preços dos produtos na Bolívia. Mas a população já identificou claramente que sua marcha é política", aponta.

A candidatura de Evo Morales

Em um congresso realizado em 2023 na localidade de Lauca Ñ — não reconhecido pelas autoridades eleitorais —, Morales foi ratificado como líder do MAS por seus apoiadores, que também o escolheram como candidato para 2025. Isso, apesar dos impedimentos legais, que seus partidários não consideram válidos.

"Morales não pode ser candidato por várias razões. Entre outras, porque ele perdeu o referendo de 2016, no qual a população rejeitou a ideia de mudar a Constituição para que ele pudesse voltar a se candidatar. Esse precedente é muito importante e dá confiança a Luis Arce para provavelmente tentar a reeleição", afirma José Blanes, fundador e pesquisador do Centro Boliviano de Estudos Multidisciplinares (CEBEM).

Arequipa aponta para outro elemento-chave: "A sentença do Tribunal Constitucional de dezembro do ano passado diz que não pode haver reeleição de maneira contínua ou descontínua na Bolívia. Isso acaba fechando a possibilidade de que, em termos legais, Evo Morales possa ser candidato."

O racha no MAS

Mesmo assim, a disputa política ainda não foi resolvida. "Há um MAS de Evo Morales e um MAS de Luis Arce. Nenhum dos dois conseguiu receber o apoio do Tribunal Constitucional e menos ainda do Tribunal Eleitoral", diz Blanes, para quem o nome mais forte será definido nas ruas.

Arequipa concorda: "Tudo foi transferido hoje para o cenário das ruas. As ruas vão acabar resolvendo o problema político".

Atualmente, não está claro quem controla o partido. "Evo Morales controla o Senado. A Câmara dos Deputados é controlada por Luis Arce", explica Arequipa.

Presidente da Bolívia, Luis Arce
O atual presidente, Luis Arce, controla apenas com o apoio de uma parte do MASFoto: Aizar Raldes/AFP/Getty Images

"Estamos vendo um processo de implosão dentro do partido mais importante que a Bolívia já produziu", considera Zuazo.

A especialista também fala de uma crise de base. "As organizações sociais que deram origem ao partido também estão profundamente divididas, e isso é o que estamos vendo nas ruas. E isso é algo perigoso", afirma.

Na opinião da pesquisadora da Universidade Livre de Berlim, o que está em discussão hoje na Bolívia é a possibilidade de o Movimento ao Socialismo ser ou não um partido democrático. Questionada sobre qual das duas alas do MAS representa a opção democrática, ela responde: "É triste dizer, mas acredito que nenhuma. Mas também nenhuma das duas apresenta um discurso abertamente contrário à democracia."

A estabilidade democrática está em risco?

Na última segunda-feira, um grupo indígena conhecido como Ponchos Rojos acrescentou mais um ingrediente à tensão política, bloqueando estradas e exigindo a renúncia do atual governo e a convocação de novas eleições.

"Quando setores mobilizados já propõem o encurtamento do mandato constitucional, acho que a estabilidade democrática está em perigo, há o risco de se subverter a ordem democrática. Acho que a democracia está em perigo na Bolívia também porque há uma agenda que não é necessariamente democrática", diz Arequipa.

Blanes não acredita que a democracia esteja em perigo "formalmente", mas sim "na prática". Ele aponta que já se fala de uma situação que obrigue Arce a renunciar e na qual o presidente do Senado assume o poder. Mas ele não se atreve a prever um desfecho para a disputa. "Neste momento, está por se definir qual das alas do MAS vai prevalecer. Até o momento, nenhuma das duas. Um dos resultados possíveis da atual confrontação talvez seja o fim do partido", opina.