Rússia vende yuan chinês para equilibrar orçamento
2 de fevereiro de 2023A queda das receitas de petróleo e gás devido às sanções ocidentais ampliou o déficit orçamentário da Rússia, obrigando o Kremlin a se livrar de algumas reservas de yuan chinês para preencher a lacuna.
A Rússia registrou em 2022 um déficit orçamentário de 3,3 trilhões de rublos (cerca de 47 bilhões de dólares), ou cerca de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Uma queda do preço de exportação do petróleo russo para abaixo de 50 dólares por barril (159 litros) pode elevar o déficit orçamentário da Rússia em outros 2,5 trilhões de rublos. Isso obrigaria o Kremlin a aumentar ainda mais as vendas de suas reservas da moeda chinesa, predizem analistas da agência Bloomberg.
O orçamento da Rússia para 2023 é baseado num preço médio anual do petróleo de 70 dólares por barril, e o banimento do petróleo russo pela União Europeia e o limite de preço de 60 dólares por barril custam ao Kremlin mais de 170 milhões de dólares por dia, segundo estimativa do think tank finlandesa Centre for Research on Energy and Clean Air, segundo a qual as exportações russas de petróleo bruto caíram 12% em dezembro.
Nikolai Korzhenevsky, fundador da empresa russa de análise de mercado SberIndex, considera esses números uma indicação de que as finanças estatais da Rússia estão em processo de deterioração. "Elas podem se tornar críticas este ano, se os gastos não puderem ser mantidos sem prejudicar o equilíbrio macroeconômico", explicou o analista ao boletim semanal sobre temas russos The Bell.
Mark N. Katz, professor da Universidade George Mason, nos EUA, afirmou acreditar que o uso do yuan por Putin para equilibrar o orçamento de Moscou pode aumentar a dependência russa da China.
"Mas, a menos que Pequim esteja disposto a usar sua influência econômica e ameaçar sancionar a Rússia [em relação à guerra na Ucrânia], é de se duvidar de que essa dependência econômica dê a Pequim muitas oportunidades de influenciar as políticas de Putin. Pelo menos ainda não", comentou Katz à DW.
Tempo é dinheiro
Um relatório da agência Bloomberg, baseado em citações de analistas internos e especialistas do banco Citigroup, indicou que financeiramente a Rússia é capaz de travar uma guerra na Ucrânia por até três anos, desde que as receitas de petróleo do Kremlin não caiam significativamente.
Os analistas da Bloomberg estimaram que as reservas de yuan da Rússia podem acabar em 2023, se o preço médio do petróleo russo cair para 25 dólares por barril; enquanto segundo seus colegas do Citigroup esse esgotamento se dará já com um preço médio de 35 dólares por barril. Por outro lado, ambos concordam que um preço médio acima de 60 dólares pode permitir ao governo russo começar a aumentar suas reservas de yuan.
A Rússia precisava que o petróleo dos Urais (usado como base para a precificação da mistura de petróleo de exportação russo) tivesse alcançado uma média de 104 dólares por barril para equilibrar as contas de 2022. E o ponto de equilíbrio só cairá para 90 dólares em 2023 se o governo conseguir evitar aumentos de gastos.
Timothy Ash, estrategista sênior da Bluebay Asset Management de Londres, considera que o maior problema russo na venda de seu petróleo são os "descontos de 30% a 40%" em comparação aos preços normais de mercado que o Kremlin oferece aos clientes.
"Entretanto, os preços mais baixos do gás significam que em 2023 a Rússia pode deixar de arrecadar cerca de 50 bilhões de dólares com as exportações de gás", escreveu Ash numa análise para o think tank americano Center for European Policy Analysis (Cepa).
Acúmulo de reservas
Putin está simultaneamente sedimentando o yuan como principal moeda de reserva da Rússia, desde que Washington e Bruxelas impuseram sanções que acarretaram congelamento de 300 bilhões de dólares das reservas cambiais do banco central russo.
Em dezembro, a Rússia tinha mais de 517 bilhões de dólares em reservas internacionais. Antes da guerra, eram 630,5 bilhões de dólares e 105 bilhões de yuans (cerca de 15,5 bilhões de dólares).
Segundo o ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, de todas as moedas "amigas", o yuan chinês tem as melhores "características de reserva" e "liquidez suficiente".
Mas, para certos especialistas, a Rússia estaria se enfiando num beco sem saída fiscal, à medida que se arrasta a guerra contra a Ucrânia. Eric Hontz, do think tank CIPE, afiliado à Câmara do Comércio dos EUA, afirmou que os russos estão tentando mostrar aos mercados que o rublo ainda é conversível em outra moeda mundial importante.
Quanto aos efeitos na China, Hontz disse acreditar que as vendas de yuans por parte da Rússia "contrariam diretamente" os esforços chineses para tornar sua moeda mais amplamente aceita para a liquidação de transações internacionais, particularmente nos mercados de matérias primas.
Aproximação econômica Moscou-Pequim
A economia russa se aproximou de Pequim depois de invadir a Ucrânia. Os planos de energia de Moscou, em particular, preveem um aumento nas exportações para a China.
O comércio bilateral sino-russo aumentou 34,3% em 2022, alcançando um recorde de 1,28 trilhão de yuans (189,5 bilhões de dólares). Os líderes nacionais estabeleceram em conjunto a meta de aumentar o volume de comércio bilateral para 200 bilhões de dólares até 2024.
Mas o economista russo Stanislav Mitrakhovych apontou três riscos principais que a Rússia pode enfrentar ao aumentar sua dependência do yuan.
Em primeiro lugar, o sistema financeiro russo está mal equipado e em grande parte despreparado para os desafios de uma maior dependência do yuan. Em segundo lugar, o preço do yuan é regulado pelo Estado chinês, o que pode deixar a Rússia "refém dos interesses chineses". E por fim, o yuan permanece vinculado a outras moedas globais, o que significa que o banco central chinês poderia facilmente desvalorizar sua moeda para fins domésticos.
Albrecht Rothacher, diplomata da UE e especialista no Leste Europeu e no Leste Asiático, lembra que a relação sino-russa é muito mais importante para os russos do que para os chineses: enquanto a China é a principal parceira comercial de Moscou, a Rússia é apenas a décima para Pequim.
"As ambições e necessidades de energia da China e da Rússia nunca vão se equiparar. A relação é de dez para um, econômica e demograficamente", frisa Rothacher, acrescentando que a Rússia "compreensivelmente não gosta do papel secundário de fornecedor quase colonial".