Após quatro anos de conversas, o Mercosul anunciou recentemente a conclusão das negociações com Cingapura sobre um acordo de livre-comércio. A cidade-Estado asiática vai se tornar uma espécie de posto avançado do bloco econômico sul-americano no Extremo Oriente.
O Mercosul também está negociando com a Coreia do Sul, enquanto o Brasil gostaria de conversar com a Indonésia sobre um acordo. Além disso, o país acaba de receber o status de observador junto à Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).
Portanto, tudo parece indicar que o Mercosul se abrirá no futuro para a Ásia – em vez de para a Europa. O acordo de livre-comércio com a UE, assinado em 2019, continua bloqueado. Os europeus passaram a rejeitar o pacto por causa das políticas ambientais do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. E os Estados Unidos também vêm demostrando pouco interesse na América do Sul no momento.
Isso é arriscado. Porque há outra dinâmica de integração no Mercosul em marcha: o Uruguai quer chegar a um acordo de livre-comércio com a China ainda neste ano.
O menor país da comunidade vem perseguindo esse plano há algum tempo. No passado, a Argentina e o Brasil conseguiram repetidamente "convencer" o pequeno Uruguai a não se abrir para a China. Os dois países temem a concorrência do Extremo Oriente: eles têm suas próprias indústrias e querem proteger seus mercados.
Mas agora o presidente conservador uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou quer cumprir uma de suas promessas eleitorais e assinar um acordo com a China a todo custo. Ele espera preços de importação mais baixos e mais investimentos do Extremo Oriente.
Para a China, um acordo com o Uruguai também seria um triunfo político que exploraria a indiferença do Ocidente. Pequim fincaria um pé no Mercosul via Uruguai e, assim, acessaria a comunidade econômica de 288 milhões de consumidores no médio prazo.
A indústria de exportação chinesa, no entanto, está principalmente interessada no Brasil, com seus 215 milhões de habitantes. Recentemente, a China concluiu com a Argentina seu vigésimo acordo da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) na América Latina. Agora, estão previstos grandes investimentos na infraestrutura da Argentina.
Em vista da crescente pressão chinesa e asiática sobre o Mercosul, seria urgentemente necessário que os Estados-membros do bloco se unissem – e não brigassem ciosamente uns com os outros ou se ignorassem completamente. No momento, o governo argentino se oferece como um parceiro predestinado em relação à Rússia e à China – sem levar em consideração o Mercosul. Já o governo do Brasil descarta de maneira arrogante como secundária a integração com a Argentina. Argentina e Brasil também geralmente ignoram os interesses dos pequenos Uruguai e Paraguai.
No entanto, os países do Mercosul estão mais interdependentes do que nunca. Isso é especialmente evidente no momento atual, quando as cadeias globais de valor estão sendo perturbadas – seja pela falta de contêineres, seja semicondutores. Para a indústria brasileira, a importância dos países vizinhos como destinos de exportação aumentou consideravelmente neste ano.
É bastante simples: somente unidos os países do Mercosul têm algum poder de negociação. Sozinhos, eles são fracos. Da forma como o cenário vem se apresentando, parece ser apenas uma questão de tempo até que o Mercosul seja dividido e dominado pela China.
--
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.