Sigrid Kaag: Quem é a nova chefe da ONU de ajuda à Gaza?
29 de dezembro de 2023Ela é uma diplomata experiente e já ocupou vários postos do alto escalão das Nações Unidas. Mas até para uma profissional tão qualificada quanto a especialista Sigrid Kaag o cargo representa um enorme desafio: a partir de 8 de janeiro de 2024, a holandesa de 62 anos coordenará na ONU a ajuda humanitária e de reconstrução para a Faixa de Gaza.
A missão que Kaag e sua equipe enfrentam não será fácil. Mesmo antes dos ataques do grupo fundamentalista islâmico Hamas a Israel em 7 de outubro, cerca de 80% dos habitantes de Gaza dependiam da ajuda humanitária. O Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007, é classificado como uma organização terrorista por Israel, pela União Europeia (UE), pelos EUA e por vários outros países.
Gaza: situação humanitária dramática
Os bombardeios e a ofensiva terrestre do exército israelense, que já dura dois meses, destruíram grande parte da infraestrutura da Faixa de Gaza. Os combates em uma área de apenas 360 quilômetros quadrados causaram o deslocamento interno de centenas de milhares de pessoas.
O exército israelense espera que os combates continuem por meses, o que significa que quase todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza dependerão de ajuda humanitária no decorrer do próximo ano.
Pelo lado de Israel, há, ainda, a preocupação de que armas, munição e combustível para os combatentes do Hamas possam chegar à Faixa de Gaza através de ajuda internacional.
Nesse ambiente difícil, Sigrid Kaag tem as tarefas de coordenar e monitorar a ajuda internacional de emergência e estabelecer um mecanismo da ONU para acelerar as entregas de ajuda por meio de países que não estão envolvidos no conflito.
O Conselho de Segurança da ONU tentou por várias semanas aprovar uma resolução que pedia a "entrega segura e desimpedida de ajuda humanitária em grande escala" para Gaza, mas esbarrava, por exemplo, em veto dos EUA. O texto foi aprovado pouco antes do Natal e, com ele, foi criado o novo cargo de Kaag.
Retorno à ONU
Sigrid Kaag é uma das políticas de destaque da Holanda. Ela pertence ao partido liberal de esquerda D66 e já ocupou vários cargos políticos importantes, como vice-chefe de governo e ex-ministra das Finanças e das Relações Exteriores do primeiro-ministro de longa data Mark Rutte.
Depois que o governo de coalizão entrou em colapso e novas eleições foram convocadas para o final de novembro de 2023, a mãe de quatro filhos anunciou sua aposentadoria da política holandesa. Antes disso, Kaag e sua família haviam sido ameaçadas várias vezes, inclusive por negacionistas do coronavírus.
A pausa não durou muito tempo. Quando Sigrid Kaag assumir seu cargo nas Nações Unidas, ela retornará ao seu antigo local de trabalho. Graduada em estudos árabes, de 1994 a 1997 ela foi chefe de relações com doadores na Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), em Jerusalém, e chefe da Diretoria Regional da UNICEF para o Oriente Médio e Norte da África, em Amã.
Em 2013/14, Kaag liderou a missão conjunta das Nações Unidas e da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW) para eliminar as armas químicas sírias e tornou-se Representante Especial da ONU para o Líbano.
Sigrid Kaag - uma mulher "que nunca dorme"
Sigrid Kaag é uma especialista reconhecida no Oriente Médio. Fala fluentemente seis idiomas, inclusive árabe. E é casada com o palestino Anis al-Qag há décadas. Ele trabalhou sob o comando do ex-presidente da Autoridade Nacional Palestina Yasser Arafat como vice-ministro de Cooperação Internacional.
Mais tarde, al-Qag fundou o Fórum Internacional pela Paz, que tem como objetivo promover o diálogo entre israelenses e palestinos, europeus e países mediterrâneos e implementar projetos de desenvolvimento cultural, econômico e social.
Kaag foi especialmente elogiada por diplomatas internacionais por seu trabalho na destruição dos estoques de armas químicas da Síria, o que lhe rendeu o apelido de "Mulher de Ferro". Sigrid Kaag é "uma mulher que nunca para de trabalhar e praticamente nunca dorme", disse certa vez um diplomata sírio.
Críticas a Israel
Apesar do currículo, nem todos em Israel estão satisfeitos com a nomeação de Kaag. Vários meios de comunicação do país informaram que ela havia criticado as políticas israelenses no passado. Como vice-primeira-ministra da Holanda, por exemplo, ela entrou em conflito com seu chefe Mark Rutte por causa de política dele, supostamente favorável a Israel.
Na década de 1990, Kaag acusou o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu de usar "conotações racistas e demagógicas" sobre o parceiro palestino nas negociações de paz, de acordo com o jornal israelense Haaretz. E ela teria se referido uma vez aos colonos israelenses como "colonos ilegais em terras confiscadas".
O relacionamento de Israel com a ONU tem sido tenso, e não apenas desde o polêmico discurso do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em outubro de 2023. Israel critica a ONU devido a uma maioria pró-palestina do Sul global na Assembleia Geral.
Kaag terá de usar muito do seu talento diplomático para conseguir que mais ajuda emergencial chegue a Gaza. Ainda bem que a holandesa "nunca dorme", pois descansar no novo trabalho será pouco provável.