Talvez as expectativas dos últimos dias, de que o acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul ainda pudesse dar certo, tenham sido demasiadamente infladas. Antes de partir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia dito que pretendia se reunir com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na cúpula do clima de Dubai para eliminar os últimos entraves que ainda estavam no caminho do acordo. Tudo indicava que o texto concluído poderia ser apresentado na cúpula do Mercosul, nesta quarta (06/12) e quinta-feira.
Mas, aí, tudo mudou, e ainda não está bem claro se foi o presidente da Argentina ou o da França o primeiro a negar apoio.
Claro está que o presidente Alberto Fernández fez Lula saber que, na cúpula do Rio de Janeiro, não assinaria acordo algum e que o responsável pela assinatura seria o presidente eleito, Javier Milei, que assumirá o cargo no domingo. Com o anúncio, o governo argentino também retirou seu negociador – o governo de Milei terá de, portanto, primeiramente se inteirar das negociações.
Praticamente ao mesmo tempo, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou, depois de um encontro com Lula em Dubai, ser totalmente contra o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Ele disse que não pode impor a seus agricultores e trabalhadores da indústria que concorram com produtos da América do Sul que são produzidos sob padrões ambientais menos rígidos ou em áreas desmatadas ou queimadas de florestas tropicais. O acordo é antiquado, afirmou.
Macron usou essa argumentação rasa de olho nos agricultores e ambientalistas franceses, de cujos votos ele vai precisar na próxima eleição europeia. Ou seja, fez política interna em Dubai, às custas do acordo de livre-comércio entre a UE e o Mercosul.
"Se não tiver acordo, paciência"
Lula aproveitou a deixa para, da mesma maneira, direcionar suas palavras aos críticos dentro do PT e à esquerda no Brasil, que são contra o acordo. "Se não tiver acordo, paciência". As negociações continuam.
Ao mesmo tempo, o principal assessor para assuntos externos de Lula, Celso Amorim, declarou à imprensa que o acordo com a UE oferece pouco e exige muito do Mercosul – o que corresponde mais ou menos ao que boa parte dos apoiadores de Lula pensa.
Para Lula, está claro que os países ricos não querem fazer um acordo diante da perspectiva de qualquer concessão. "É sempre ganhar mais, e nós não somos mais colonizados, nós somos independentes."
Isso deve ter agradado muitas pessoas no Brasil. Pois, mesmo que nas últimas semanas Lula tenha se empenhado para conseguir concluir o acordo, fica a pergunta: por que ele não fez isso antes?
Desde março havia uma proposta da União Europeia esperando para ser debatida pelo Mercosul. Mas, até julho, os sul-americanos não conseguiram se acertar sobre como reagir a ela. E as velhas exigências de uma proteção de mercado para os contratos públicos ressurgiram.
Não há dúvida: Lula, grande parte da indústria e também do setor político preferem repartir entre si o mercado de contratos públicos. A concorrência da Europa, que além de tudo ainda precisa se ater a rígidas normas de corporate governance (ou seja, empresas que precisam cuidar para que tudo corra de forma transparente e limpa nos contratos), só atrapalha.
E assim o que se viu nos últimos dias foi um jogo de acusações ridículo, uma disputa de narrativas para ver quem, afinal, tem a culpa pelas negociações não terem sido concluídas de forma bem-sucedida.
Isso é lamentável, pois as consultas intergovernamentais de alto nível entre a Alemanha e o Brasil, que ocorreram agora, pela segunda vez, depois de um hiato de oito anos, são um passo importante para uma cooperação moderna e construtiva entre dois Estados que tradicionalmente se veem como parceiros, mas que nos últimos anos andavam meio distantes.
As quase duas dezenas de acordos agora assinados entre o Brasil e a Alemanha são também um caminho alternativo para os dois Estados expandirem suas relações mesmo num ambiente geopolítico difícil – e mesmo sem um acordo de livre-comércio.
No momento, parece que tanto o Mercosul como a Europa perderam a confiança num futuro conjunto.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.