Quase metade das doações ao Museu Nacional veio da Alemanha
27 de agosto de 2019De cada R$ 10 doados para a reconstrução do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, R$ 4,27 vieram do governo alemão. O incêndio que atingiu telhado, parte da construção bicentenária e itens do acervo completa um ano em 2 de setembro. Com R$ 1.394.752 já repassados à Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN), que gerencia as contribuições, a Alemanha é o principal doador.
Foram transferidas duas parcelas, a primeira de 180,8 mil euros (R$ 757,5 mil na cotação da época do depósito) em dezembro, e a segunda de 145,3 mil euros (R$ 637,2 mil), em junho, de um total de 1 milhão de euros (cerca de R$ 4,6 milhões) prometidos pelo Ministério do Exterior alemão.
O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, afirma que a primeira parcela vinda da Alemanha foi essencial para garantir a recuperação inicial de parte do acervo, pois permitiu a aquisição de equipamentos de resgate e identificação dos itens.
"A Alemanha foi tão generosa com o país que, se não fossem os 180 mil euros, talvez a gente não tivesse nem a metade do sucesso que tivemos", pontua. Em maio deste ano, Kellner se encontrou com Michelle Müntefering, secretária de Cultura do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, e recebeu a confirmação da segunda parcela de recursos, transferida no mês seguinte.
O Ministério do Exterior alemão confirmou à DW Brasil os valores repassados. "Trata-se do maior museu natural e etnológico da América Latina, que continha artefatos importantes e exposições únicas de valor insubstituível", afirmou o ministério em nota.
No total, as contribuições estrangeiras até o momento somam R$ 1,65 milhão e, além do auxílio alemão, incluem doações de dois órgãos britânicos e do Fortune International Group, dos Estados Unidos. Esse valor equivale a 50,7% do total de R$ 3,2 milhões já recebidos pela SAMN para a reconstrução e apoio a atividades do museu após o incêndio.
Doações de pessoas jurídicas e físicas do Brasil milhão são responsáveis pela outra metade das contribuições, sendo que R$ 1 milhão veio da mineradora Vale. Dos R$ 600 mil restantes, segundo a presidente da SAMN, Vera Lucia Huszar, 90% foram contribuições particulares.
"Do meu ponto de vista, foi muito frustrante, porque logo depois do incêndio houve várias manifestações para ajudar o museu, as quais não se concretizaram", lamenta Huszar.
Embora bem-vindas, todas essas doações representam apenas 1,08% do custo total das obras de recuperação. Kellner estima que, por enquanto, R$ 300 milhões sejam necessários, mas a soma pode mudar conforme os projetos forem finalizados. Essa estimativa não considera o acervo, que ainda está sendo inventariado.
Huszar destaca que dois momentos foram cruciais para impulsionar as doações: a comoção dos primeiros dias após o fogo e o incêndio na Catedral de Notre-Dame, em Paris, em 15 de abril deste ano. Na semana após o desastre na França, o ritmo de colaborações ao Museu Nacional, que era de quatro por dia, foi multiplicado por dez.
"A maioria eram doações nacionais, às vezes valores muito baixos, com as pessoas muito motivadas com o que aconteceu lá [em Paris] e que lamentando não terem feito a doação para o nosso museu. Depois, foi decrescendo de novo e continuamos com quatro ou cinco doações diárias", explica Huszar.
São aceitas doações em qualquer quantia, do Brasil e do exterior, por transferência bancária ou plataformas de financiamento coletivo. O processo pode ser feito diretamente na guia SOS Museu Nacional, na página da associação.
Kellner ressalta que as contribuições também são úteis para necessidades do dia a dia, como compra de materiais de manutenção do próprio museu e dos funcionários que trabalham no resgate.
Neste primeiro ano após o incidente, pouca coisa avançou na parte física da reconstrução. A estrutura dos telhados passou por obras de sustentação e equipes trabalham no resgate do acervo. O foco inicial é aplicar os recursos para elaborar os projetos de engenharia e restauro.
"A partir do resultado desses projetos é que vamos saber quanto tempo demora [a reconstrução] e quanto tudo vai custar", diz Kellner.
O diretor destaca três grandes projetos: o de restauração da fachada e dos telhados; o destinado a novas exposições; e um terceiro para a reconstrução da parte interna do palácio do museu. Os dois últimos estão a cargo da Unesco, que recebeu verba do governo federal.
Verbas do governo brasileiro
Além das doações, há as verbas do próprio governo brasileiro, que somam R$ 80,8 milhões, quando considerados os recursos públicos já assegurados, conforme Kellner.
Desde setembro do ano passado, o Ministério da Educação liberou recursos em três etapas, totalizando R$ 16 milhões. Parte desse valor, R$ 908 mil, chegou nos primeiros meses após o incêndio, para custear a restauração da fachada e dos telhados. Kellner estima que as obras comecem até o final do ano.
"Se não acontecer, é porque tem alguma coisa errada, porque a gente tem dinheiro e o projeto está andando. Não há motivação nenhuma para que a gente não comece a reconstrução neste ano", pontua.
Há ainda R$ 21 milhões de um contrato com o BNDES assinado antes do incêndio, que previa restauração do palácio e da biblioteca central. Com o incidente, um adendo foi feito para manter as obras na biblioteca, não afetada pelo fogo, e usar o restante para recuperação da estrutura impactada.
A maior fatia de recursos públicos, no entanto, não escapou dos contingenciamentos aplicados pelo governo federal neste ano. A bancada parlamentar do Rio de Janeiro aprovou R$ 55 milhões para a recuperação do museu, mas a soma foi reduzida para R$ 43 milhões.
Segundo o MEC, os valores já estão disponíveis no caixa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Cabe à universidade a gestão financeira e execução de processos de licitação, contratos e compras. Procurada pela reportagem, a reitoria da universidade não se manifestou sobre o andamento dessas ações.
Nesta terça-feira, será concluído um balanço dos trabalhos emergenciais e do resgate do acervo. Na quarta, as informações serão divulgadas ao público.
Museu segue ativo
O Museu Nacional não deixou de operar após o incêndio, nem mesmo na semana do desastre. As atividades mudaram temporariamente de prédio, ocupando os pertencentes à instituição que foram preservados, como os do Horto Botânico.
"O consenso era: a gente não pode parar. Na semana do incêndio a gente estava tendo defesa de tese de doutorado no auditório da biblioteca. Obviamente que os colegas que perderam seus lugares de trabalho estão precisando mais de ajuda para recompor seus espaços", afirma Huszar, também professora do Departamento de Botânica do Museu Nacional.
Os projetos da SAMN, associação civil sem fins lucrativos criada em 1937 para apoiar as atividades do museu, cresceram de um ano para cá. Hoje, a associação gerencia cerca de 20 iniciativas com cinco funcionários e diretoria formada por voluntários que trabalham na UFRJ.
Um dos frutos mais recentes do museu veio a público na semana passada. Kellner, que é paleontólogo, participou de um estudo feito por quatro universidades, que descobriram uma nova espécie de pterossauro no Sul do país.
"Apesar da tragédia, o fundamental é que o Museu Nacional não perdeu sua capacidade de gerar conhecimento", resume Kellner.
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