Quando o Holocausto chegou às histórias em quadrinhos
7 de agosto de 2024Muitos super-heróis foram criados por cartunistas judeus, que logo usaram seus personagens para invocar os horrores do Holocausto e do regime nacional-socialista.
Em 1940, numa história em quadrinhos intitulada How Superman would end the war (Como o Super-Homem acabaria com a guerra) o Homem de Aço dizia a Adolf Hitler: "Eu gostaria de dar um soco estritamente não ariano no seu maxilar". De acordo com o Holocaust Center of Pittsburgh, Josef Goebbels, ministro da propaganda nazista, não tardou em denunciar o Super-Homem como judeu.
Super-heróis contra nazistas
O Capitão América já estava enfrentando personagens nazistas à la Hitler nos quadrinhos do início da década de 1940. Esses vilões fascistas também apareciam em livros ilustrados como os do Dr. Seuss, durante os anos de guerra.
Histórias de resistência judaica em campos de concentração foram tematizadas mesmo após a guerra, em HQs do Super-Homem e do Capitão Marvel.
Capitão Marvel foi a primeira franquia de super-heróis em quadrinhos a realmente apresentar o Holocausto, de acordo com o especialista Rafael Medoff, coautor de We spoke out: Comic books and the Holocaust, de 2018
E não é coincidência os quadrinhos da Marvel serem tantas vezes criados e ilustrados por artistas judeus, inclusive a prolífica dupla de escritores e ilustradores Stan Lee e Jack Kirby.
Medoff descreve como o parceiro do Capitão Marvel, Rick Jones, conhece um sobrevivente de Auschwitz antes de confrontar um cientista perturbado que está tentando implementar uma engenharia social no estilo nazista.
O livro We spoke out, também de autoria de Neal Adams e Craig Yoe, mostra como os quadrinhos ajudaram os jovens americanos que cresceram nas décadas de 1960 e 1970 a entender melhor o Holocausto, sobre o qual não haviam aprendido nada na escola. Hoje em dia é muito menos provável que jovens sejam capazes de compreender esse capítulo da história.
Essas primeiras obras com a temática do Holocausto coincidiram com o que o estudioso desse gênero literário-visual Markus Streb chamou de "Era de Ouro dos Quadrinhos", de 1938 a 1955.
Streb observa como os campos de concentração alemães foram parar nas histórias em quadrinhos na década de 1940, quando o gênero mais popular, o de super-herói, dando uma ideia das atrocidades cometidas nos campos.
Em 1979, a quarta parte de uma série de romances da Marvel intitulada Captain America: Holocaust for hire (Capitão América: Holocausto de aluguel) atualizou a narrativa anti-hitlerista, quando o patriótico herói tem que impedir que um exército de neonazistas use uma nova arma destrutiva para estabelecer um Quarto Reich.
Master Race explora o medo de um sobrevivente
A Era de Ouro dos Quadrinhos foi coroada pelo clássico Master Race, de 1955, que trazia uma suástica na capa, considerado a primeira HQ dos EUA a retratar as atrocidades nazistas.
Escrita por Al Feldstein e ilustrada por Bernard Krigstein, e lançada pela editora americana EC, Master Race conta a história de Carl Weismann, um alemão que escapou do campo de concentração de Belsen e se mudou para os EUA, mas não consegue fugir de seu passado atormentador.
"Você sempre terá medo, sempre vai se lembrar... se lembrar do horror... do ódio... do sofrimento", afirma o narrador, quando Weismann se senta num trem e logo se depara com sua nêmesis do campo de extermínio.
O nome "Auschwitz" é mencionado no primeiro volume da série Capitão Marvel da década de 1960, quando o personagem titular é salvo por Jacob Weiss, um sobrevivente do famigerado campo na Polônia. Na década de 1980, a história em quadrinhos dos X-Men também revelou que o vilão Magneto era um sobrevivente de Auschwitz.
Maus leva o Holocausto às massas
Maus, de Art Spiegelman, é uma graphic novel vencedora do Prêmio Pulitzer e uma metáfora velada do Holocausto, pois retrata os judeus como ratos antropomórficos, os nazistas como gatos sedentos de sangue e os poloneses como porcos.
Inspirados pelos pais judeus poloneses do autor, que sobreviveram aos campos de concentração nazistas, seus quadrinhos foram publicados em episódios nas décadas de 1970 e 1980, e finalmente como romance gráfico em 1991.
Maus é baseado em horas de entrevistas que o artista gravou com seu pai, Vladek, na década de 1970. Sua mãe cometeu suicídio em 1968.
Mas Spiegelman foi severamente criticado pelo simbolismo adotado e por apresentar a história como graphic novel. Para os críticos, ele estava quebrando tabus, e a complexa tragédia do Holocausto não poderia ser simplesmente contada nesse formato.
Spiegelman respondeu que só podia lidar com essa história através de sua arte.
Como alguém nascido na Suécia apenas três anos após o fim da guerra reage às pavorosas lembranças do pai, tanto em nível profissional quanto pessoal? Para Spiegelman, a reação foi justamente Maus, às vezes publicado como Maus: A survivor's tale.
Ironicamente, o livro foi proibido num distrito escolar do Tennessee em 2022. Numa entrevista à emissora MSNBC, definiu a proibição como "um eco da queima de livros na Alemanha na década de 1930".