Qualquer dano a Zaporíjia seria suicídio, diz chefe da ONU
18 de agosto de 2022Em visita à Ucrânia, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou nesta quinta-feira (18/08) que qualquer dano à usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, seria "suicídio".
O local está sob controle russo desde os primeiros dias da guerra na Ucrânia e, nas últimas semanas, intensificaram-se os combates em seu entorno, despertando preocupações mundiais sobre uma catástrofe nuclear.
Guterres afirmou estar "gravemente preocupado" com a situação na usina. "A área precisa ser desmilitarizada. Devemos dizer as coisas como elas são: qualquer dano potencial a Zaporíjia é suicídio", afirmou.
"Não devemos poupar esforços para garantir que as instalações ou arredores da central não sejam alvo de operações militares. Equipamentos e pessoal militar devem ser retirados da central", exortou.
Nesta quinta, Guterrres esteve na cidade ucraniana de Lviv, no oeste do país, onde se reuniu com os presidentes da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
"Estamos preocupados. Não queremos outra Chernobyl", disse Erdogan, garantindo ao líder ucraniano que Ancara é um aliado firme.
"Enquanto continuamos nossos esforços para encontrar uma solução, seguimos ao lado de nossos amigos ucranianos", afirmou Erdogan.
De sua parte, Zelenski pediu que a ONU garanta a desmilitarização da usina, a fim de evitar que uma catástrofe aconteça no local.
O presidente ucraniano afirmou que o "terror deliberado" das tropas russas nas instalações "pode ter consequências globais catastróficas para todo o mundo", comunicou o seu gabinete após a reunião.
Visita de especialistas da ONU
A reunião ocorre um dia depois de o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmar ser "urgente" que o órgão de vigilância nuclear da ONU inspecione a usina nuclear de Zaporíjia.
Em estreito contato com a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), a ONU avaliou ter na Ucrânia a capacidade logística e de segurança para apoiar qualquer missão da AIEA à central nuclear, "desde que a Rússia e a Ucrânia concordem", disse Guterres.
Segundo o correspondente da DW em Lviv, Mathias Bölinger, uma visita de especialistas da ONU a Zaporíjia só seria possível com negociações envolvendo ambos os lados, já que Moscou e Kiev se acusam mutuamente pelos ataques na usina.
Até agora, porém, Moscou rejeitou as propostas da ONU. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Ivan Nechaev, disse nesta quinta-feira que o pedido de desmilitarização da área ao redor da usina nuclear é "inaceitável".
Moscou afirma que suas forças não enviaram armas pesadas para Zaporíjia e acusou Kiev de preparar uma "provocação".
"As tropas russas não têm armas pesadas nem no território da usina nem nas áreas ao redor. Há apenas unidades de guarda", disse o Ministério da Defesa em comunicado.
Sexta-feira pode ser tensa
A preocupação quanto a Zaporíjia aumentou nesta quinta-feira, quando o serviço de inteligência militar da Ucrânia alertou sobre uma possível operação russa na usina nuclear na sexta-feira, depois que os trabalhadores foram instruídos a ficar em casa.
Por ordem dos ocupantes russos, apenas a equipe de operação deve permanecer no local, enquanto todos os outros serão proibidos de entrar, afimou Kiev. Teme-se que as forças russas estejam planejando um ataque. A Rússia não comentou o fato.
As forças russas tomaram a usina de Zaporíjia em março, e a incerteza em torno dela alimentou os temores de um incidente nuclear, lembrando o desastre de Chernobyl, em 1986.
Transporte de grãos
Após a reunião com Zelenski e Erdogan, Guterres também afirmou que há sinais de estabilização dos mercados globais de alimentos, depois da retomada do transporte de cereais produzidos na Ucrânia, graças a um acordo mediado pela ONU e a Turquia.
"Desde a invasão russa da Ucrânia, tenho sido claro: não há solução para a crise alimentar global sem garantir acesso global total aos produtos alimentícios da Ucrânia e alimentos e fertilizantes russos. Quero expressar a minha gratidão a todas as partes pelo apoio", disse Guterres, referindo-se à implementação do acordo de exportação de cereais via Mar Negro.
"Temos visto sinais de que os mercados globais de alimentos estão começando a se estabilizar. Os preços do trigo caíram até 8% após a assinatura dos acordos. O Índice de Preços de Alimentos da FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação] caiu 9% em julho – a maior queda desde 2008. A maioria das commodities alimentares está sendo negociada a preços abaixo dos níveis pré-guerra", salientou Guterres.
O secretário geral da ONU admitiu estar especialmente satisfeito com o fato de o primeiro navio fretado pela ONU para transportar trigo ucraniano estar a caminho, "para responder às necessidades das pessoas que sofrem com a pior seca das últimas décadas na região do Chifre da África".
Contudo, Guterres pediu que "não haja ilusões", advogando que há ainda um longo caminho a percorrer antes de se verificar um maior impacto no cotidiano da população, "nas suas padarias locais e nos seus mercados".
"As cadeias de abastecimento ainda estão interrompidas. Os custos de energia e transportes permanecem inaceitavelmente altos", frisou.
Para Guterres, o "ímpeto positivo na frente alimentar reflete uma vitória da diplomacia, do multilateralismo", "mas é apenas o começo" e compete "a todas as partes garantir seu sucesso contínuo".
"É vital ajudar a reverter a turbulência no mercado global de fertilizantes que agora ameaça as colheitas da próxima temporada, incluindo o arroz, o alimento mais consumido no mundo. É essencial prestar socorro às pessoas e países mais vulneráveis", lembrou Guterres, garantindo que a ONU continuará a trabalhar para fornecer apoio humanitário aos mais necessitados.
Depois de Lviv, Guterres seguirá para Odessa, cujo porto está sendo utilizado para a exportação de cereais ucranianos. No sábado, o chefe das Nações Unidas viajará para Istambul, na Turquia, para visitar o Centro de Coordenação Conjunta que fiscaliza o cumprimento do acordo.
le (Lusa, AFP, DPA)