Quais as opções para diminuir as dívidas europeias?
23 de janeiro de 2015Às vésperas das eleições legislativas na Grécia deste domingo (25/01), o partido populista de esquerda Syriza, de Alexis Tsipras, vem liderando as pesquisas de intenção de voto. Em sua campanha, ele promete reverter a política de austeridade imposta nos últimos anos ao país por seus credores – a assim chamada troica, composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia.
O partido vai mais adiante, reivindicando um corte generalizado das dívidas públicas em toda a União Europeia (UE). "Débito demais é um problema europeu, não só grego", afirmou à DW Stelios Pappas, coordenador do Syriza para política europeia. Esse é um posicionamento político prático, pois evita que Atenas peça o perdão de suas próprias dívidas de uma maneira que seja claramente às custas dos demais Estados-membros. Ao propor um corte para todo o bloco, o Syriza tem mais chances de conseguir apoio em sua meta de forçar os credores a um perdão parcial da dívida grega.
"Os problemas da dívida grega se transformaram num problema europeu", resume Philip König, economista do instituto econômico alemão DIW. "Qualquer redução de débito para a Grécia é agora, efetivamente, uma transferência de verbas de outros Estados europeus para Atenas. Como o Syriza não quer dizer isso abertamente, fala de 'solução europeia' para o débito público geral. Mas a ideia é certamente que a Grécia é quem vai lucrar mais."
Afinal, o país apresenta a relação débito público/PIB mais elevada da UE, tendo passado de 89% em 2007, antes da crise financeira global, para 175% em 2014. Comparando: a porcentagem atual da Alemanha é 77% (64% em 2007). A zona do euro, como um todo, tinha uma relação débito/PIB de 93% em meados de 2014, contra 66% em 2007.
Até alguns anos atrás, a maior parte dos títulos públicos da Grécia encontrava-se em mãos de bancos e outros investidores privados. Porém, depois que a questão da dívida pública grega ficou aguda, em 2010, os Estados da zona do euro compraram a maioria desses papéis, como parte do programa de resgate da troica, o que favoreceu os credores privados. Em caso de futuros perdões parciais, os contribuintes europeus é que terão de arcar com os prejuízos.
A Syriza não deu detalhes de sua proposta, mas eventuais negociações sobre novos cortes de dívidas representariam um desafio considerável dentro da UE.
Zona do euro afogada em dívidas
Em 2013, a agência europeia de estatísticas Eurostat estimava em 335 milhões a população nos países da União Monetária Europeia, com um PIB total de 9,6 trilhões de euros, ou 28.600 euros per capita. O débito acumulado dos governos nacionais em relação aos detentores de obrigações soberanas era de 8,9 trilhões de euros, resultando numa dívida de 26.600 euros para cada habitante da zona do euro.
Agora, o contrato da União Monetária impõe uma série de critérios de convergência a seus Estados-membros. Um deles é que sua relação débito público/PIB "convirja" para menos de 60%. Com base nos dados de 2013, cerca de 3,2 trilhões de euros de dívida teriam que ser perdoados ou restituídos, para se passar do atual 93% de débito/PIB para o 60% ideal.
Como cada euro de débito cancelado equivale a um euro perdido para o credor, contudo, no decorrer de uma série de contratos de débito e crédito é natural que alguns credores resistam violentamente a qualquer proposta de perdão de dívidas.
Calote ou taxação: alternativas insatisfatórias
Basicamente há três possibilidades para os governos da UE se livrarem de suas multibilionárias dívidas: dar o calote, saldá-las através da arrecadação de mais impostos, ou saldá-las com dinheiro adicional impresso pelo BCE.
Se as principais economias europeias se recusassem a pagar o que devem (calote), isso precipitaria o sistema financeiro ao caos e destruiria a credibilidade dos títulos de dívida soberana, além de ir contra as leis europeias sobre a inviolabilidade dos contratos. Não se trata, portanto, de uma opção realista.
Tentar pagar mais rapidamente o débito europeu através da tributação também é problemático. Uma elevação dos impostos de renda da classe média ou do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – ou uma combinação de ambas – são medidas que anulam o efeito pretendido, assinala o diretor do Instituto de Política Macroeconômica de Düsseldorf, Gustav Horn.
Segundo ele, tais encargos adicionais reduziriam o poder aquisitivo das classes média e baixa – que gastam praticamente tudo o que faturam a cada mês. Isso desaceleraria ainda mais a já estagnada economia da UE, possivelmente condenando o bloco à recessão e deflação.
Por isso, os partidos populistas de esquerda – como o grego Syriza ou o pós-comunista A Esquerda, na Alemanha – pleiteiam um "imposto de riqueza" sobre os mais abastados da sociedade.
Seu argumento é que tributar uma porção da renda ou do capital acumulado dos ricos tende a ter um impacto bem menor sobre a demanda do que tributar a mesma quantia dos contribuintes de classe média e pobres. Na prática, tal medida certamente esbarraria nos interesses e na influência desproporcional dos atingidos – no caso, das classes altas.
Imprimir dinheiro
Resta apenas uma terceira fonte de dinheiro que permitiria à zona do euro acelerar o pagamento de uma parcela substancial de seu débito público acumulado: o Banco Central Europeu.
O BCE pertence aos Estados-membros da zona do euro e, através deles, aos cidadãos europeus. Há vários anos o presidente da instituição, o italiano Mario Draghi, tem expressado a intenção de comprar títulos de dívida pública de investidores privados, no chamado mercado secundário. Na última semana, Pedro Cruz Villalón, advogado-geral da Corte Europeia de Justiça, deliberou que essa compra é legal.
Segundo o especialista Dirk Ehnts, que leciona economia monetária em Berlim, em princípio o BCE poderia comprar centenas de bilhões de euros em débito governamental da zona do euro, na forma de obrigações soberanas já emitidas. Em seguida, o banco poderia simplesmente estender a data de vencimento ao infinito, e reduzir os juros a zero. Ou seja, os títulos estariam, na prática, cancelados – os países emissores jamais teriam que pagá-los.
Tal procedimento evitaria tributar o dinheiro de quem quer que fosse, rico ou da classe média, para restituir o valor dos títulos públicos. Por outro lado, quebraria o tabu contra "monetizar" o débito público [imprimir dinheiro para pagar dívida] e poderia ser contestada na Justiça. Mas a opinião do advogado-geral Villalón já tornou esse cenário mais praticável.