Putin tenta minimizar impacto da queda de Assad
19 de dezembro de 2024Em sua coletiva de imprensa anual, o líder russo Vladimir Putin tentou minimizar nesta quinta-feira (19/12) as consequências da queda do regime do ex-ditador sírio Bashar al-Assad, argumentando que a deposição do seu aliado não significa uma "derrota para a Rússia".
"As pessoas estão tentando apresentar o que aconteceu na Síria como uma derrota para a Rússia. Asseguro que não é esse o caso", declarou Putin, em suas primeiras falas públicas após a queda do regime da família Assad, que na última década havia conseguido se manter agarrada ao poder com forte apoio militar do Kremlin.
"Fomos para a Síria há cerca de dez anos para impedir a criação de um enclave terrorista, como no Afeganistão. De um modo geral, atingimos o nosso objetivo", afirmou Putin, em referência ao apoio militar fornecido pela Rússia a Assad a partir de 2015, quando o regime de Damasco estava extremamente fragilizado, permitindo que o agora ex-ditador reconquistasse vários territórios tomados por rebeldes e terroristas do grupo "Estado Islâmico" em um espaço de cinco anos.
No entanto, a partir de 2022, com a Rússia crescentemente envolvida na Ucrânia, o Kremlin não conseguiu mais manter o mesmo grau de força na Síria, abrindo espaço para que grupos rebeldes derrubassem Assad no dia 8 de dezembro, com a tomada de Damasco. O enfraquecimento nos últimos meses do Irã e do grupo xiita Hezbollah, outros aliados de Assad, também selaram o destino do regime.
Sob o regime da família Assad, a Rússia também controlava uma base naval e um aeroporto militar em território sírio. Agora, com o país controlado pelos rebeldes, surge a questão se a Rússia conseguirá manter as instalações. Nos últimos dias, imagens de satélite mostraram que o Kremlin evacuou parcialmente as duas bases.
Putin disse nesta quinta-feira que a Rússia ainda estava avaliando se manteria suas bases militares na Síria. "Não sei – precisamos pensar sobre isso. Precisamos decidir por nós mesmos como serão nossas relações com as forças políticas que agora controlam e controlarão a situação no país no futuro. Nossos interesses precisam coincidir", disse Putin.
O russo ainda relatou que Moscou ajudou a evacuar 4 mil militares iranianos da Síria após a queda de Assad.
Assad acabou fugindo com sua família para a Rússia, que lhe concedeu asilo político. Segundo veículos ocidentais, o ex-ditador acumulou uma fortuna em imóveis e propriedades na Rússia nos últimos anos.
Putin disse nesta quinta-feira que ainda não se encontrou com Bashar al-Assad após a fuga, mas que pretende fazê-lo. "Vou certamente falar com ele", afirmou, em resposta a uma pergunta de um jornalista americano.
Putin ainda afirmou que pretende perguntar a Assad pelo jornalista americano Austin Tice, desaparecido na Síria há 12 anos, que a administração do presidente Joe Biden definiu como uma prioridade após a queda do regime de Damasco. "Também podemos colocar a questão às pessoas que controlam a situação agora na Síria", disse Putin.
Ameaças e encontro com Trump
Ao falar sobre os EUA nesta quinta-feira, Putin alternou falas ameaçadoras com sinalizações de que está disposto a se encontrar e negociar com o presidente eleito Donald Trump para negociar um acordo sobre a guerra na Ucrânia.
No início da coletiva, o líder do Kremlin desafiou os Estados Unidos para uma espécie de duelo em Kiev entre o novo armamento hipersónico russo e os sistemas de defesa antimíssil ocidentais. "Que escolham qualquer instalação para atacarmos, digamos, em Kiev. Que concentrem aí todos os seus sistemas antiaéreos e antimísseis. E nós atacaremos com [um míssil] Oreschnik", afirmou.
"Veremos o que acontece. Estamos prontos para essa experiência", disse Putin. A Rússia usou recentemente pela primeira vez os mísseis hipersónicos Oreschnik contra a Ucrânia e tem afirmado que nenhum sistema de defesa antiaérea ocidental é capaz de enfrentar a nova arma russa.
Putin ainda mencionou a recente mudança na doutrina nuclear russa, divulgada em novembro, que prevê que ataques convencionais que ameaçam a soberania da Federação Russa e de Belarus sejam respondidos com o uso de armas nucleares.
A fala foi indiretamente dirigida aos EUA, Reino Unido e França, que autorizaram Kiev a atacar pontos do território russo com mísseis de longo alcance fornecidos por esses países. "Nós acreditamos que podemos usar nossas armas nucleares contra eles", disse Putin, sem especificar quem seriam "eles".
Pouco depois, numa sinalização inversa, Putin disse que está pronto para se reunir "a qualquer momento" com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para tratar sobre a Ucrânia.
"Não nos falamos há quatro anos. Estou pronto para fazer isso [conversar] a qualquer momento e para nos encontrarmos também", declarou o líder russo.
Putin reconheceu que ainda não sabe quando a eventual reunião ocorrerá porque Trump "não disse nada" sobre isso. De qualquer forma, disse estar convencido de que os dois terão "algo para conversar". A última reunião entre os dois ocorreu em junho de 2019, à margem da cúpula do G20 no Japão.
Trump, que recentemente se reuniu com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse repetidamente que uma de suas prioridades após retornar à Casa Branca será negociar o fim da guerra na Ucrânia. O republicano retornará à Presidência em janeiro, alimentando os temores em Kiev de que poderia forçar a Ucrânia a aceitar uma paz em termos favoráveis a Moscou. Recentemente, o Kremlin reagiu com satisfação às críticas que Trump fez em relação à decisão do presidente Joe Biden de permitir que Kiev usasse mísseis fornecidos pelos EUA para atacar o território russo.
Ucrânia e Kursk
Putin ainda disse nesta quinta-feira que não sabe quanto tempo mais durará a guerra lançada pelos russos na Ucrânia, mas argumentou que Moscou está cada vez mais perto de atingir seus objetivos no campo de batalha.
Segundo Putin, a situação na linha de frente está mudando "radicalmente" e as tropas russas estão conquistando "quilômetros quadrados" diariamente, mas ele não se atreveu a prever quanto tempo durará a guerra no país vizinho, que começou em fevereiro de 2022.
"A luta é complicada, portanto, prever o futuro é difícil e sem sentido", disse o chefe do Kremlin. O líder russo insistiu que "há movimento" em toda a linha de frente e todos os dias, fazendo alusão à conquista de dezenas de localidades ucranianas nos últimos meses no Donbass. "E não estamos falando de um avanço de 100, 200 ou 300 metros. Nossos combatentes estão retomando quilômetros quadrados de território", argumentou.
Por outro lado, Putin admitiu que não tinha como apontar quando retomará a região russa Kursk, alvo de uma incursão de tropas ucranianas desde agosto. A Rússia tem desde então tentado expulsar o exército ucraniano do seu território, mas ainda não o conseguiu fazer, apesar de ter recebido a ajuda de soldados enviados pela Coreia do Norte nos últimos meses.
"Vamos absolutamente derrotá-los", afirmou Putin. "Mas quanto à questão de uma data exata, lamento, não posso dizer neste momento", admitiu.
jps/ra (AFP, EFE, AP, Lusa)