Putin muda de estratégia para leste da Ucrânia
26 de junho de 2014Com o voto contra de apenas um senador, o Conselho da Federação retirou nesta quarta-feira (25/06) a permissão para a atuação de tropas russas na Ucrânia, aprovando requisição feita pelo presidente Vladimir Putin. Em março, ele havia solicitado essa permissão à casa parlamentar.
Mas esse passo vem tarde demais, avalia a especialista Lilia Shevtsova, do Centro Carnegie de Moscou: Putin deveria ter feito isso muito antes, talvez logo depois da anexação da Crimeia. Pois, passadas duas ou no máximo três semanas da anexação, estava claro que a incorporação de mais territórios no sul e no leste da Ucrânia era inviável, argumenta.
O que a atual decisão deixa claro, porém, é que Moscou mudou de estratégia, opina Shevtsova. Ainda há alguns meses, o Kremlin agia de maneira bem diferente: ele desestabilizava a situação no leste e no sul da Ucrânia. Agora Putin quer, por meio de negociações entre Kiev e os separatistas, forçar uma solução favorável para si, que também seja aceita pelo Ocidente.
Ocidente agiu unido
Para o especialista Cornelius Ochmann, da Fundação para a Cooperação Teuto-Polonesa, vários fatores podem ter influenciado a decisão russa de retirar a permissão para o envio de tropas à Ucrânia.
Por um lado, há a ameaça de novas sanções. Mas o principal motivo foi a frente unida apresentada pelos países ocidentais, avalia. Um motivo adicional seria a posição clara e pragmática do novo presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, que tomou a iniciativa ao apresentar um plano de paz para o leste do país. Isso obrigou Putin a agir: até então, era a Rússia que praticamente determinava a evolução dos acontecimentos.
Segundo Ochmann, Putin também deixou claro que deseja ser um parceiro do Ocidente. Diante de um cenário de piora da economia russa e de fuga de capitais, uma confrontação com o Ocidente não faria sentido. Além disso, avalia o especialista, as forças pró-Rússia no leste ucraniano entenderam que, sem o reforço de soldados da Rússia, a batalha delas também não faz sentido. "Não se trata de um movimento de base, como na Crimeia, onde grande parte da população apoiou a anexação à Rússia", avalia.
Plano B de Poroshenko
A decisão parlamentar desta quarta-feira pode ser um passo para o arrefecimento do conflito, opina o especialista Eberhard Schneider, do Centro UE-Rússia, em Bruxelas. Putin espera que as conversações entre o governo em Kiev e os separatistas levem a uma solução construtiva. "Se não for assim, Poroshenko vai acionar o plano B, como já anunciou. Ele intensificará a ação militar contra os separatistas, os quais, na realidade, não têm chances de vencer esse conflito", avalia Schneider.
Poroshenko propôs que os representantes regionais em Donetsk e em Lugansk possam determinar o próprio destino, em largas linhas. Isso significa que poderão escolher o governador e que terão ampla autonomia em vários setores, explica Schneider.
Aparentemente, a solução agrada a Moscou, até porque no momento não é possível obter mais. "Provavelmente [os russos] planejam, a médio prazo, ganhar influência sobre os escolhidos pelos representantes dessas duas regiões."
Influência russa permanece
Mas a mudança de estratégia por parte de Putin não significa que ele tenha desistido totalmente de desestabilizar o leste e o sul da Ucrânia, alerta Lilia Shevtsova. Os ucranianos terão que aceitar viver sob a sombra da Rússia ainda por muito tempo, assegura. "A Rússia permanecerá sendo um fator de influência nesse país."
Mas o que Moscou não vai conseguir é alterar é a rota de aproximação da Ucrânia com a Europa, avalia Ochmann. "Se o povo ucraniano se decidiu por isso, nem mesmo o presidente russo conseguirá afastar a Ucrânia da UE com meios militares." Um possível ingresso da Ucrânia na Otan, porém, é uma questão totalmente diferente. "Não creio que a população ucraniana tenha interesse nisso", presume o especialista da Fundação Teuto-Polonesa.
Eberhard Schneider tampouco vê interesse numa maior aproximação com a Otan: "A filiação da Ucrânia à Otan está fora de questão", pondera. Antes havia o empecilho de tropas russas estarem estacionadas em Sebastopol, na Crimeia. Agora há o problema das questões fronteiriças no leste da Ucrânia.