Psicanálise em três atos
7 de abril de 2006Priorizar o acústico em vez do visual é uma das premissas da psicanálise. Deitado no divã, o paciente não vê seu terapeuta, enquanto este está ali principalmente para ouvir.
Fora isso, Freud, em vida, se recusou a receber a soma (para a época considerável) de cem mil dólares pelos direitos de adaptação para o cinema da história de seus pacientes. A película em questão era Segredos de uma alma, de G.W. Pabst (1926). "Não quero ligação direta com nenhuma espécie de filme", determinou o pensador sem meias palavras.
Em função deste desprezo ou quase rejeição pela imagem, o "desejo" do espectador frente a uma exposição como PSYCHOanalyse (PSICanálise), inaugurada nesta sexta-feira (7/4), no Museu Judaico de Berlim, seria encontrar uma economia de signos visuais. Mesmo porque, no caso, se esbarra muito rapidamente nos limites de representatibilidade do discurso psicanalítico.
Estações biográficas
A dramaturgia da mostra no museu berlinense, porém, parece não se ater a tal espécie de pudor. Para celebrar os 150 anos de nascimento de Freud, está exposto um bolo de isopor, confeitado e imenso, com três andares e quatro metros de diâmetro, dividido em 24 fatias. Sobre estas estão dispostos vários Freuds em miniatura, sempre ao lado de seus pais, mulher, pacientes ou convivas.
O BOLO ("primeiro ato") divide em diversas estações a biografia do pensador para o visitante, que ao mesmo tempo ouve detalhes sobre a infância, o casamento, a família, a doença e o exílio de Freud. Para a curadora Nicola Lepp, o parâmetro estético que guia a mostra se atém a uma "disposição espartana, que rejeita objetos históricos, expostos tradicionalmente em museus".
O que o visitante pode se perguntar ao adentrar o LABIRINTO ("segundo ato") é o que, afinal, há aí de espartano ou econômico. Um espaço no qual os conceitos freudianos são reproduzidos em luminosos coloridos, em formato que remete nitidamente à estética publicitária dos anos 60 ou 70. Liqüidação do discurso psicanalítico, em todos os sentidos do termo?
Estética pop
Ou talvez uma referência (proposital?) às placas de sex shops nas ruas de uma metrópole? Qualquer que seja a intenção, o visitante "tromba" com desejo, neurose, masoquismo, histeria, castração, peversão e pulsão de morte, entre outros vocábulos, que "caem" presos ao teto frente a seus olhos.
Tudo em nome de um deciframento do discurso psicanalítico para um público "maior e mais amplo", defende Daniel Tyradellis, um dos pesquisadores responsáveis pela exposição. Empacotar Freud em embalagem pop e assumir o kitsch para vender tudo em um supermercado de terminologias?
O argumento de facilitar o "acesso a Freud através da cultura pop" é o de que "todos conhecem" conceitos como complexo de Édipo ou pulsão de morte, embora poucos saibam exatamente como Freud os definiu.
Continue lendo: o divã no cinema; relação com o judaísmo; topografia berlinense; primeiros passos
O divã no cinema
Mais pertinente na mostra é, sem dúvida, a colagem de cenas de filmes que encenam o encontro psicanalista-paciente. Se o cenário divã-poltrona foi adotado para criar uma zona simbólica de proteção entre paciente e terapeuta, é a câmera que vai expor os traumas e neuroses para o espectador-voyeur.
Como observa Gertrud Koch, especialista em Cinema e professora da Universidade Livre de Berlim, em texto publicado no catálogo que acompanha a exposição, é interessante notar que a clínica psicanalítica aparece no cinema de três formas: como "jogo de poder" entre terapeuta e paciente, como rotina vazia, repetitiva e sem sentido, ou como pretexto para a sedução.
Relação com a herança judaica
A contribuição de Koch intitulada O divã no cinema e o texto de Eli Zaretsky sobre A psicanálise na história judaica, ambos publicados no catálogo, servem para dar um contorno teórico mais definido ao projeto da mostra, em contraponto ao exagero pop do labirinto publicitário.
Embora Freud fosse ateu convicto e tenha se oposto a rituais religiosos de qualquer ordem, sua relação ambivalente e complexa com a herança judaica marcou notadamente seu pensamento.
Topografia berlinense
O terceiro e último ato da exposição – DIVÃ – é dedicado a uma topografia da psicanálise em Berlim, onde oficialmente vivem 5500 profissionais com formação psicanalítica, 870 destes atuantes como terapeutas. Aí estão fotos de divãs berlinenses (enviadas pelos próprios psicanalistas).
Situadas em um dos memory voids do Museu Judaico – espaços que marcam o vazio e aludem à ausência, permeando todo o projeto do arquiteto Daniel Libeskind – estão reproduções do que se vê quando se deita num dos divãs de Berlim. Imagens aparentemente sem significado de tetos, janelas ou estantes, mas que na prática psicanalítica abrem, pelo menos em tese, espaço para o inconsciente.
Primeiros passos
A proposta dos curadores de afastar a exposição de uma "documentação tradicional", resgatando Freud através de um viés "iconoclasta e vanguardista", acaba deixando um sabor meio amargo na boca. Na melhor das hipóteses, a mostra poderá servir como "aula inaugural" para as centenas ou milhares de jovens e adolescentes que visitam o Museu Judaico de Berlim.
Como "primeiro passo" na busca pela compreensão da obra de Freud, é possível que os luminosos e o bolo confeitado adquiram algum sentido. Um formato que, de certa forma, corresponde à proposta original do Museu Judaico: não ser uma "casa de abstrações" e sim uma "casa de narrativas". A questão é saber se o discurso psicanalítico se encaixa a tal premissa sem perdas ou traumas.