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Völkerrecht Libyen

10 de março de 2011

Defensores da criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia argumentam que o regime de Kadafi comete crimes contra a humanidade. Mas principalmente os EUA não querem se envolver em mais uma guerra na região.

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Manifestantes em Bengasi pedem a criação de uma zona de exclusão aérea na LíbiaFoto: dapd

Nas últimas duas semanas vêm aumentando as discussões sobre a implementação de uma zona de exclusão aérea na Líbia. A medida foi mencionada pela primeira vez em Genebra por Navi Pillay, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Caso as notícias sobre ataques aéreos do governo líbio a civis fossem confirmadas, a criação de uma zona de exclusão aérea no país seria imediatamente necessária a fim de proteger a população, declarou Pillay no último 23 de fevereiro.

Desde então, a força aérea do ditador Muammar Kadafi acirrou ainda mais os ataques não apenas a pontos tomados pelos rebeldes, mas também a áreas habitadas por civis. Mesmo assim, a decisão sobre o bloqueio aéreo continua até agora suspensa em função de ponderações de ordem política, de respeito ao direito internacional e de ordem prática. Absolutamente imprescindível para iniciar uma zona de exclusão aérea seria uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, salientam todos os envolvidos no debate.

Guerra civil?

A questão é que não apenas dois membros permanentes do Conselho (Rússia e China), mas também especialistas em direito internacional apontam para o risco de que a comunidade internacional venha a ferir a soberania da Líbia, também membro da ONU, com a medida.

Libyen Aufständische Kämpfer bei Brega
Rebeldes na região de BregaFoto: dapd

O especialista em direito público Reinhard Merkel declarou em fins de fevereiro, numa entrevista ao diário berlinense die tageszeitung, que no momento ocorre na Líbia uma espécie de guerra civil. "Diante de uma guerra civil, não há nada, a princípio, do ponto de vista do Direito Internacional, que justifique uma intervenção."

O especialista alemão é um crítico veemente da missão da Otan na Guerra do Kosovo, em 1999, já que essa intervenção não estava atrelada a um mandato do Conselho de Segurança da ONU.

Para ele, uma intervenção militar na Líbia seria legítima apenas se o Conselho de Segurança verificar que o conflito no país representa uma ameaça à paz mundial. Mas a situação na Líbia está longe disso, avalia Merkel. E, segundo ele, mais longe ainda de justificar uma intervenção com base na chamada responsabilidade de proteger.

Crime contra a humanidade?

A responsabilidade de proteger é um compromisso assumido pela comunidade internacional em 2005. Ele deve ser posto em prática sempre que um governo não quiser – ou não estiver mais em condições – de proteger seus próprios cidadãos de genocídio, de crimes de guerra ou de crimes contra a humanidade.

Libyen Aufständische Kämpfer Beerdigung in Ajdabiya
Ajdabiya também é palco de confrontosFoto: AP

Na Assembleia Geral das Nações Unidas de 2005, o princípio da responsabilidade de proteger foi aprovado por aclamação pelos 175 chefes de Estado e de governo presentes. Mas, até hoje, o compromisso não tem caráter obrigatório do ponto de vista do direito internacional.

Para os defensores de uma zona de exclusão aérea na Líbia, os requisitos para pôr o compromisso em prática já foram preenchidos. Até mesmo o Conselho de Segurança, na sua resolução de 26 de fevereiro passado, aprovada com o aval da Rússia e da China, afirmou que os atos de violência do regime de Kadafi "provavelmente constituem um ato de crime contra a humanidade".

Com base nisso, o Conselho de Segurança incumbiu o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, de investigar esses crimes praticados por Kadafi. O processo está em curso. No entanto, até que o TPI conclua um processo de crimes contra a humanidade podem transcorrer anos. Os defensores de um bloqueio aéreo na Líbia dizem que a comunidade internacional não pode esperar.

Precedentes: Bósnia-Herzegovina e Iraque

O dilema do ponto de vista do direito internacional permanece, e os dois casos anterior de criação de uma zona de exclusão aérea não contribuem para resolver a questão.

Em 1993, o Conselho de Segurança decidiu criar uma zona de exclusão aérea sobre a Bósnia-Herzegovina, com o objetivo de impedir ataques de aviões sérvios a alvos civis. Os sérvios simplesmente ignoraram a decisão, e a Otan teve que agir para abater os aviões de combate.

No caso do Iraque não houve uma resolução do Conselho de Segurança. Estados Unidos, Reino Unido e França – as três potências com poder de veto do órgão – decidiram, ao final da segunda Guerra do Golfo, em 1991, criar uma zona de exclusão aérea primeiramente sobre o norte do Iraque e depois sobre todo o sul do país.

A justificativa era proteger as minorias curdas e xiitas dos ataques comandados pelo regime de Saddam Hussein. Como os Estados Unidos e o Reino Unido passaram cada vez mais a usar as duas zonas de exclusão criadas para espionagem aérea e ataques à região de Bagdá, a França desistiu da operação em 1994.

Também no caso da Líbia não se pode descartar uma ação dessas três potências sem um mandato do Conselho de Segurança. Principalmente o governo britânico deixa entrever que estaria disposto a adotar tal medida. Mas há restrições para isso entre as lideranças militares dos Estados Unidos.

Contra mais uma guerra

Um bloqueio do espaço aéreo líbio "significa guerra", declarou o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates. Dada sua hegemonia militar, o governo norte-americano poderia implementar essa medida sozinho. Mas a disposição para tal é pouca em Washington, já que o país não pretende se envolver em mais um conflito armado, além do Afeganistão e do Iraque, sem previsão de solução.

Outra razão da cautela não apenas por parte de Washington, mas também de outros países ocidentais, é a preocupação de que Kadafi poderia usar a zona de exclusão aérea como prova de um "complô ocidental" contra a Líbia. Principalmente diante do fato de que um bloqueio do espaço aéreo, com ou sem aval do Conselho de Segurança, teria de ser executado por forças de países-membros da Otan.

A tese do "complô ocidental" poderia surtir efeitos não apenas entre a população da Líbia, mas também entre outros países árabes e islâmicos, nos quais uma zona de exclusão aérea não é vista por todos com bons olhos.

Mesmo entre os defensores de um bloqueio do espaço aéreo predomina a rejeição a uma "intervenção militar" no país. Por trás dessa resistência paira o medo de que, após a criação de uma zona de exclusão aérea para proteger a população civil, viria a invasão da Líbia por parte das tropas da Otan e, depois, a ocupação dos poços de petróleo do país.

Autor: Andreas Zumach (sv)
Revisão: Alexandre Schossler